Inseminação post-mortem: herança “jacente” pelo menos três anos e consentimento até em vídeo
Direita voltou a usar a argumentação do superior interesse da criança para recusar o uso de sémen de dador já falecido. Esquerda insiste em manter norma transitória com efeitos retroactivos.
São duas leituras diferentes da mensagem do Presidente da República: a direita (sobretudo o PSD) diz que Marcelo Rebelo de Sousa também questiona o facto de a inseminação post-mortem com sémen do dador já falecido não acautelar os direitos nem da futura criança nem dos filhos ou outros herdeiros já existentes; a esquerda argumenta que as dúvidas que chegaram de Belém são meramente legais e que são sanadas com uma nova redacção. O plenário voltou a dividir-se nesta quarta-feira, tal como aconteceu na primeira discussão do tema, há um ano, e na aprovação final do diploma, em Março.
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São duas leituras diferentes da mensagem do Presidente da República: a direita (sobretudo o PSD) diz que Marcelo Rebelo de Sousa também questiona o facto de a inseminação post-mortem com sémen do dador já falecido não acautelar os direitos nem da futura criança nem dos filhos ou outros herdeiros já existentes; a esquerda argumenta que as dúvidas que chegaram de Belém são meramente legais e que são sanadas com uma nova redacção. O plenário voltou a dividir-se nesta quarta-feira, tal como aconteceu na primeira discussão do tema, há um ano, e na aprovação final do diploma, em Março.
É de prever, portanto, que na próxima sexta-feira, na votação, a nova versão do diploma seja aprovada com os votos a favor do PS, BE, PCP, PAN, PEV, IL e das deputadas não-inscritas e que tenha os votos contra do PSD, CDS e Chega.
O socialista Pedro Delgado Alves realçou que a inseminação post-mortem de embriões já é permitida e o que se pretende é apenas estender essa autorização ao material genético masculino, o sémen criopreservado.
No caso da herança, são acrescentadas alterações ao Código Civil que estipulam que passam a ter capacidade sucessória “todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não exceptuadas por lei, bem como as pessoas que sejam concebidas, nos termos da lei, no quadro de um procedimento de inseminação post mortem”.
E que a “herança do progenitor falecido mantém-se jacente durante o prazo de três anos após a sua morte, o qual é prorrogado até ao nascimento completo e com vida do nascituro caso esteja pendente a realização dos procedimentos de inseminação permitidos” – que podem começar seis meses depois da morte do dador e até ao prazo de três anos e depois num máximo de três tentativas de tratamentos (até que nasça uma criança).
Os três partidos que tinham apresentado projectos de lei procuraram agora melhorar a articulação das regras deste diploma com as normas sucessórias do Código Civil, deixando claro que é preciso aguardar pelo nascimento da criança para qualquer acesso à herança, e também tentaram reforçar a “cautela adicional” pedida por Marcelo nos meios de prova da vontade do dador falecido em que o seu sémen fosse usado para gerar uma criança mesmo depois da sua morte.
Para isso, acrescenta-se à lista de possibilidades de consentimento, além de um documento escrito do dador, a declaração por vídeo (para o caso de, por doença, o dador não poder escrever), ou uma “declaração sob compromisso de honra do médico que acompanhou o processo que confirme a existência desse consentimento”.
Moisés Ferreira (Bloco), Paula Santos (PCP), José Luís Ferreira (PEV), Bebiana Cunha (PAN) e João Cotrim de Figueiredo (IL) defenderam a necessidade de atender aos casos de tantas famílias que acabam, por questões de doença, por não conseguir ter filhos a tempo, e lembraram a distorção da lei actual, que já permite a inseminação com embriões quando o membro masculino do casal morre mas já está o processo de fertilização in vitro em andamento mas não permite com sémen, assim como é possível a qualquer mulher recorrer a um banco de esperma cujos dadores já podem ter falecido.
O CDS e o PSD alegaram que o “superior interesse da criança” se deve sobrepor ao “desejo da mulher em ser mãe” e que esta lei coloca, erradamente, a mulher "sempre à frente” da criança; que “nega o direito de a criança ser concebida e nascer de pai e mãe vivos”.
O centrista Miguel Arrobas citou os diversos pareceres recebidos no Parlamento que aconselhavam a que não se legislasse sobre o assunto. E considerou paradoxal que a lei possa prever que a mulher possa ter um filho concebido com o sémen do companheiro falecido alegando que era um projecto parental comum, mas que a criança possa vir a ser considerada filha do homem com quem entretanto a mãe decidiu refazer a sua vida.
André Ventura, do Chega, até pegou na questão de o futuro marido da viúva declarar ser o pai quando na verdade não é para dizer que a esquerda quer permitir uma lei que mente – e teve como resposta de Pedro Delgado Alves que a lei já hoje é assim.