A ETA renunciou ao terrorismo há dez anos – mas ainda influencia a política espanhola
Esquerda nacionalista basca referiu-se pela primeira vez às “vítimas da violência” do grupo separatista e foi aplaudida dentro do PSOE. PP acusou o Governo de querer apoios para o Orçamento, e este esclareceu posição socialista.
As feridas por sarar e os debates inacabados sobre o legado das cinco décadas de actividade da ETA – Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade, em português) – saltam para a primeira fila do debate político em Espanha sempre que se comemora uma data que envolve o grupo separatista basco, responsável por mais de 850 mortos, cerca de sete mil feridos, inúmeros assassinatos, sequestros e extorsões, e oficialmente extinto em 2018.
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As feridas por sarar e os debates inacabados sobre o legado das cinco décadas de actividade da ETA – Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade, em português) – saltam para a primeira fila do debate político em Espanha sempre que se comemora uma data que envolve o grupo separatista basco, responsável por mais de 850 mortos, cerca de sete mil feridos, inúmeros assassinatos, sequestros e extorsões, e oficialmente extinto em 2018.
Desta vez assinala-se o décimo aniversário da renuncia da ETA à luta armada e ao terrorismo – oficializada num famoso vídeo, divulgado no dia 20 de Outubro de 2011, e protagonizado por três sujeitos de cara tapada, que pediram “a abertura de um processo de diálogo directo” aos Governos de Espanha e de França.
Cumprindo a tradição, a efeméride está a interferir na discussão entre os partidos sobre a agenda política e, particularmente, sobre as negociações em redor da proposta do Governo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e do Unidas Podemos para o Orçamento do Estado em 2022.
Pela primeira vez, e através do coordenador dos independentistas bascos da coligação EH Bildu, Arnaldo Otegi, a esquerda abertzale (nacionalista) do País Basco reconheceu publicamente a “dor” das “vítimas da violência da ETA” e assumiu que “nunca deveria ter acontecido”.
“Infelizmente, o passado não tem remédio. Nada do que possamos dizer pode desfazer o dano causado. Mas estamos convencidos de que é possível aliviá-lo a partir do respeito e da memória. Sentimos enormemente o seu sofrimento [das vítimas] e comprometemo-nos a mitigá-lo”, afirmou Otegi, na segunda-feira, citado pelo El País.
O gesto foi recebido com agrado pelo deputado socialista e antigo presidente do governo autonómico do País Basco, Patxi López, e por outras figuras do PSOE e do “irmão” Partido Socialista do País Basco (PSE-EE).
Mas foi rapidamente condenado pelos partidos à direita que, rotulando o discurso de Otegi como “insuficiente”, por não incluir um verdadeiro pedido de desculpas ou uma “autocrítica ao seu passado” – nas palavras de Íñigo Urkullu, presidente do governo do País Basco, do Partido Nacionalista Basco (PNV) – acusaram o Governo de Pedro Sánchez de estar a preparar o terreno para justificar futuros acordos parlamentares com o Bildu.
Minoritária no Congresso dos Deputados, a coligação PSOE-Podemos reconhece a importância dos cinco deputados do partido independentista basco – e de outros partidos regionalistas e nacionalistas – e já contou com os seus votos para aprovar legislação importante, incluindo o Orçamento do Estado de 2021.
Nesse sentido, o Partido Popular (PP) vê no discurso de Otegi e na reacção socialista uma espécie de tiro de partida para as negociações sobre o diploma orçamental de 2022, e critica o Governo de aproveitamento político do sofrimento das vítimas da ETA para fins “partidários”.
“O PSOE branqueia Otegi para acordar o Orçamento do Estado. O Bildu deve condenar o terrorismo, rejeitar as homenagens aos etarras e colaborar com a Justiça para esclarecer os 300 crimes da ETA ainda impunes”, escreveu no Twitter o líder do PP, Pablo Casado.
“É preciso evitar a festa da confusão de Otegi e de Sánchez. ‘Eu branqueio-te e tu votas no Orçamento’, é esse o jogo”, acrescentou Javier Maroto, porta-voz do principal partido de oposição em Espanha no Senado, citado pelo El Mundo, comentando a inexistência de uma declaração conjunta da câmara alta do Parlamento sobre o décimo aniversário do fim da luta armada da ETA.
As críticas do PP às aproximações entre PSOE e EH Bildu não são novas. No ano passado e também no contexto das negociações sobre o Orçamento do Estado, o presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, foi forçado a vir a público negar a existência de acordos secretos com os independentistas bascos para a aprovação da proposta de lei.
Com maior ou menor pressão, certo é que, também desta vez, o PSOE teve de vir a público refrear algum do entusiasmo socialista com as palavras de Otegi e exigir mais à esquerda abertzale.
“Deveria pedir perdão, deveria condenar quando se fazem homenagens aos etarras condenados que saem da prisão. O Governo estará sempre com as vítimas”, reagiu nesta terça-feira a porta-voz do executivo e ministra da Política Territorial, Isabel Rodríguez, depois de uma reunião do Conselho de Ministros.
Em declarações ao El País, fontes do Governo garantiram, ainda assim, que esta tomada de posição não pretende ser uma desautorização de Patxi López ou dos socialistas bascos que ficaram satisfeitos com as palavras de Otegi. Trata-se apenas do posicionamento institucional sobre o caso, referiram.
Na sua intervenção, Rodríguez também não deixou de apontar o dedo ao PP, rebatendo e devolvendo ao partido de Casado as acusações de “utilização do terrorismo como arma de confrontação política”.
“Um dos factores que permitiu derrotar a ETA foi a união de todos os democratas”, recordou a ministra socialista.