Um autarca cristão e conservador vai tentar tirar Orbán do poder

A coligação da oposição húngara elegeu Peter Marki-Zay, um autarca conservador moderado com pouca experiência política, para se candidatar a primeiro-ministro nas eleições do próximo ano.

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Peter Marki-Zay prometeu uma nova Hungria caso venha a ser eleito primeiro-ministro BERNADETT SZABO / Reuters

A oposição húngara vai ser liderada pelo autarca independente Peter Marki-Zay nas eleições legislativas do próximo ano com o objectivo de retirar do poder o Fidesz.

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A oposição húngara vai ser liderada pelo autarca independente Peter Marki-Zay nas eleições legislativas do próximo ano com o objectivo de retirar do poder o Fidesz.

Pela primeira vez desde que o Fidesz chegou ao poder, em 2010, a oposição uniu-se em torno de uma candidatura única para tentar afastar os ultranacionalistas da chefia do Governo. Para isso foi organizado um longo processo de eleições primárias para escolher o candidato a primeiro-ministro e os restantes candidatos aos círculos uninominais.

Marki-Zay, de 49 anos, venceu no domingo a segunda volta das eleições primárias, que contaram com a participação de 600 mil eleitores, derrotando Klara Dobrev, candidata da Coligação Democrática, o maior partido da oposição. Apesar de ter sido a mais votada na primeira volta, Dobrev, uma experiente política que é actualmente vice-presidente do Parlamento Europeu, viu várias forças políticas que integram a coligação oposicionista apoiarem Marki-Zay nas últimas semanas.

No seu discurso de vitória, Marki-Zay prometeu manter a coesão da inédita coligação que junta seis partidos muito diferentes entre si, desde socialistas, ecologistas, liberais e até antigas formações de extrema-direita, como o Jobbik, hoje mais moderado. “Só poderemos vencer juntos. Ninguém poderá quebrar a unidade da oposição”, declarou o candidato, citado pela Reuters.

Da sua adversária, Marki-Zay ouviu promessas que vão no mesmo sentido. “A partir de agora, apoio Peter Marki-Zay”, afirmou Dobrev durante o seu discurso de concessão. A campanha das primárias foi dura, marcada por ataques entre os vários candidatos, expondo as dificuldades em gerir uma coligação tão diversa como a que se propõe derrotar o Fidesz nas eleições da próxima Primavera.

Porém, esta foi a fórmula encontrada pelos partidos que há mais de uma década vêem o Fidesz consolidar o seu poder, alterando a Constituição e o sistema eleitoral de forma a poder beneficiar directamente. Em 2018, o Fidesz não conseguiu a maioria dos votos, mas em virtude do sistema misto e da falta de unidade entre a oposição manteve a maioria no Parlamento. As eleições legislativas de 2022 serão as primeiras em que Viktor Orbán terá pela frente um candidato com possibilidades reais de o derrotar, o que poderá significar uma viragem de 180 graus na orientação política da Hungria.

Marki-Zay prometeu reverter todas as alterações constitucionais e legislativas operadas pelo Fidesz nos últimos anos na sua missão de edificar uma “democracia iliberal” na União Europeia. “Queremos uma Hungria nova, mais limpa e honesta, não apenas substituir Orbán ou o seu partido”, afirmou Marki-Zay aos seus apoiantes em Budapeste.

O Fidesz reagiu à vitória de Marki-Zay apelidando-o de “esquerdista de carreira” com o argumento de que está a ser instrumentalizado pelos partidos de esquerda para regressarem ao poder. As sondagens mostram um empate técnico entre o Fidesz e a coligação oposicionista.

Católico e independente

Desde que em 2010 o Fidesz pulverizou as eleições, alcançando uma histórica super-maioria parlamentar, que o partido de Viktor Orbán não está habituado a derrotas. A última década serviu de uma consolidação sem precedentes, com novas vitórias em legislativas e municipais, fazendo do Fidesz um virtual partido único com capacidade para moldar as instituições estatais quase sem ter de prestar contas.

Um dos poucos políticos húngaros que sabe o que é derrotar o Fidesz é Marki-Zay. Em 2018, este antigo gestor de marketing liderou uma coligação oposicionista idêntica à que existe agora a nível nacional para concorrer às eleições antecipadas no município de Hodmezovasarhely, uma cidade de 44 mil habitantes no sul da Hungria, e venceu. O sucesso da fórmula foi repetido nas eleições municipais do ano seguinte e deixou as bases para que a experiência passasse para a arena nacional.

Marki-Zay é visto como um nome com forte potencial para poder capitalizar com o descontentamento de grande parte da população com o Governo do Fidesz, sobretudo por causa da percepção de que a corrupção tem aumentado com a consolidação do seu poder. O autarca é um cristão praticante, pai de sete filhos e de perfil conservador, o que lhe permite ter capacidade para apelar ao voto de uma larga extensão do eleitorado.

Para além disso, Marki-Zay não tem um percurso na política partidária, evitando fraquezas como a de Dobrev, muito conotada com o antigo governo socialista, derrotado em 2010 e ainda hoje recordado com enorme antipatia.

“Talvez um terço da população húngara apoie o Fidesz, outro terço apoie a oposição, mas Peter Marki-Zay tem a possibilidade de atrair tanto a oposição como o terço que falta – aqueles que normalmente não votam, ou que estão desapontados com o Fidesz”, disse à BBC o antigo governador do Banco Nacional Húngaro, Peter Akos Bod.