Vale a pena publicitar o teatro?
Só um investimento muito cuidado, muito criativo, muito inteligente e preferentemente em rede (de várias produtoras) pode ser minimamente eficiente e eficaz.
Creio já, por aqui mesmo e por muitos outros sítios, ter dito que as fases de uma política de públicos há-de ser por força baseada na seguinte ordem: captar, fixar, formar (massa crítica). Não estancando de uma a outra, mas percebendo que não se forma massa crítica sem fixar os públicos e, obviamente, nada se fixa sem captar.
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Creio já, por aqui mesmo e por muitos outros sítios, ter dito que as fases de uma política de públicos há-de ser por força baseada na seguinte ordem: captar, fixar, formar (massa crítica). Não estancando de uma a outra, mas percebendo que não se forma massa crítica sem fixar os públicos e, obviamente, nada se fixa sem captar.
Um dos aspectos nucleares, diria incontornável, para que a captação realize a fixação com a menor perda entrópica possível, é a existência de um espaço próprio, reconhecível e identificativo pelo próprio público. Quando, por exemplo, alguém diz “vou à Comuna”, tanto pode estar a dizer que vai ver uma criação do grupo chamado Comuna, quanto um dos (muitos) acolhimentos que naquele espaço se fazem. O que ninguém pensa, por regra, é em ir ver, em Lisboa, o grupo A Comuna senão no espaço referido como Comuna. E, do mesmo modo, o nome Novo Grupo, outro exemplo, praticamente caiu para se passar a dizer “vou ao Teatro Aberto”, quando se vai, nesse espaço de residência do grupo, ver uma criação do Novo Grupo.
É também esta uma parte (apenas uma parte, não o todo, nem o principal) do porque os Teatros Municipais (dos grandes centros ou quando no demais país não têm uma estrutura residente) são principalmente espaços de eventos. E sem quer trazer aqui o meu ponto de vista sobre o assunto (aliás, está mais do que expresso em outras ocasiões), o que me interessa constatar ao caso é que se diz que se “vai ao São Luiz” ou ao “Rivoli”, muito mais do que “vou ver o grupo tal no São Luiz” ou idem “no Rivoli”. Mesmo os grupos que têm algum público fixado, dificilmente – se sem espaço próprio – o podem alargar de forma sustentada e sustentável.
Porém, se esta é pedra angular da questão, a que também já me referi muitíssimas vezes – e que obriga a olhar como prioridade – a definição e prática de uma política de recuperação de infraestruturas e equipamento para espaços que são ou se podem tornar sede de unidades de produção, de par com a Rede de Teatros e Cineteatros -, não fica por ela tudo dito e resolvido. Muito longe disso.
Recordo-me bem, quando trabalhei como redactor publicitário e depois como director criativo estratégico numa outra empresa de publicidade, de desaconselharmos mesmo o cliente a desperdiçar dinheiro em televisão (e não havia cabo e, no início, nem mais do que a RTP) quando a campanha era, aos valores de hoje, na ordem de menos de 100.000 euros. E, nessa passagem pela minha vida repartida com a publicidade e o teatro, recordo-me de um episódio em que o director da agência me passou uma revista para a mão e me pediu que a folheasse, reparando nos anúncios; de repente, ia eu a uns 4/5 dessa passagem de folhas, começa a falar, durante não mais de 10 minutos, sobre outros assuntos que me prendiam a atenção e obrigavam a ser parte activa, para depois me perguntar de que anúncios me recordava eu: eram 3 ou 4, quando eu tinha visto, nesses 10 minutos antes, seguramente 30 ou 40.
Entretanto – e ocupando o mesmo espaço numa publicação ou o mesmo tempo em rádio ou televisão – uma notícia (nem muito longa, nem muito curta, bem intitulada (apelativa) – tem o dobro, triplo ou quádruplo da eficácia do que se o espaço for ocupado por um anúncio publicitário. Ou, então, de verdadeira utilidade e impacto se na vez de se tratar de uma criação, se tratar de algo institucional ou de polémica.
Entretanto, se passarmos para as formas de publicidade estática (vulgo cartazes) – e em proporcionalidade crescente de ineficiência quanto maior for a cidade – ou a proliferação de prospectos que já ‘ninguém’ quer sequer pegar, o grau de inutilidade dos custos é ainda assustadoramente maior.
No digital, hoje vive-se uma outa ilusão nesta matéria. Os eventos promovidos têm, seguramente, 50, 100 ou mais vezes mais adesões do que o número de pessoas que mobilizam de facto até ao espectáculo. A este propósito – e já lá vão 10 anos, hoje ainda será mais assim – recordo-me de um evento político, em plena ebulição anti-troika, que no Facebook teve mais de 8.000 adesões e a que fui e éramos (sem ser anedótico, mas real) nem 10 pessoas, que acabámos a rir do disparate. Trata-se, pois, de uma ilusão o número de ‘gostos’ ou as visualizações de uma postagem promovida. Todos o sabemos, mesmo que andemos entretidos com essa outra suposta panaceia só porque ela é, comparativamente, de custo mais baixo. Para já não dizer que o processamento algorítmico da informação sobre as visualizações, mesmo sem qualquer intervenção humana e comercial perversa, pode estar (eu acho que está sempre) super-inflacionado em relação à realidade.
A publicidade em teatro, além disto tudo, tem ainda a característica de estar de todas e de cada vez a publicitar um ‘produto’ de muito curta duração (mesmo que ficasse 6 meses em cena não deixaria de ser de curta duração por comparação com uma marca de iogurte, por exemplo), cuja retenção da sua existência, por mais bem feita que consiga ser a comunicação, se perde completamente no meio das milhares e milhares de informações que um simples cidadão capta (e tem mesmo de esquecer até para se manter saudável mentalmente) num mesmo dia, mesmo numa cidade de média dimensão, quanto mais nos grandes centros.
De tudo isto fica que só um investimento muito cuidado, muito criativo, muito inteligente e preferentemente em rede (de várias produtoras) pode ser minimamente eficiente e eficaz: devia-o também o Poder Político elencar entre acções suas de grande envergadura e permanência. Mas mesmo assim é sempre complementar a um outro trabalho de comunicação e captação directa, como, com notável êxito, o fazem de há muito algumas estruturas. O resto é mesmo apenas para ‘lembrar’ e para ‘credibilizar’. Ninguém vai ao teatro (sequer ao Politeama ou ao Maria Vitória; sequer ao Piccolo Teatro di Milano ou ao Moulin Rouge) sem esse outro trabalho. Diferem os canais, conforme diferem os conteúdos e os públicos-alvo, mas é esse outro trabalho silencioso, (quase) invisível, paciente, muito bem organizado e muito bem definido a quem é dirigido e que canais usa, o que, a par do reconhecimento-memorização-fidelização ao próprio espaço (sala), verdadeiramente produz a diferença nos resultados. Realiza-se em anos e nunca pode ser descurado, nem se pode deixar de olhar como uma plataforma viva, multiforme e em constante mutação.
Sobre isto, a prática não me deixa qualquer dúvida de dizer que, neste caso, isto não é uma opinião, é uma constatação, pelo menos empírica, categórica.
RECTIFICAÇÃO: Quando escrevi (2º parágrafo) “O que ninguém pensa, por regra, é em ir ver, em Lisboa, o grupo A Comuna no espaço referido como Comuna” devia ter escrito (como agora se pode ler, feita a devida rectificação) “O que ninguém pensa, por regra, é em ir ver, em Lisboa, o grupo A Comuna senão no espaço referido como Comuna”.