“A nossa vida depende da água”: as alterações climáticas ameaçam o pântano no Iraque

Este Verão tem sido duro para Baher. A estação das chuvas de 2020/2021 no Iraque foi a segunda mais seca em 40 anos. As condições actuais empurram o frágil ecossistema para o desequilíbrio, pondo em perigo a biodiversidade — e a subsistência das populações locais.

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Numa ilha rodeada pelos estreitos canais do pântano de Chebayesh, no Sul do Iraque, Sabah Thamer al-Baher levanta-se com o sol para ordenhar a sua manada de búfalos de água. Este Verão tem sido duro para Baher. A estação das chuvas de 2020/2021 no Iraque foi a segunda mais seca em 40 anos, de acordo com as Nações Unidas, fazendo com que a salinidade das zonas húmidas subisse para níveis perigosos.

Os animais adoeceram e morreram, e Baher foi obrigado a comprar água potável fresca para a manada de cerca de 20 búfalos, a sua única fonte de rendimento. Outra seca está prevista para 2023, já que as alterações climáticas, a poluição e as barragens a montante mantêm o Iraque preso num ciclo de crises hídricas recorrentes.

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Sabah Thamer Al-Baher e familiares capturam um búfalo para lhe darem medicação. Thaier Al-Sudani/Reuters

Baher e a família são árabes dos pântanos, a população indígena das zonas húmidas que foi deslocada nos anos 90, quando Saddam Hussein fez estagnar e drenar os pântanos para expulsar os rebeldes escondidos nos canaviais. Em 2003, os pântanos foram parcialmente reflorestados e muitos árabes dos pântanos regressaram, incluindo a família de Baher.

No entanto, as condições actuais empurram o frágil ecossistema para o desequilíbrio, pondo em perigo a biodiversidade e a subsistência das populações locais, explica Jassim al-Asadi, um ambientalista nascido nos pântanos.

“Quanto menos água, mais salgada fica”, diz Christophe Chauveau, um veterinário francês que fez um levantamento da situação dos pântanos para os Agrónomos e Veterinários sem Fronteiras, acrescentando que os búfalos bebem menos e produzem menos leite, quando a qualidade da água cai.

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Búfalos próximos da água no pântano de Chebayesh Thaier Al-Sudani/Reuters

De acordo com o Instituto Max Planck, o aumento da temperatura no Médio Oriente durante o Verão tem sido superior a 0,5 graus Celsius por década — cerca do dobro da média global. Os vizinhos do Iraque também sofrem com a seca e com o aumento da temperatura, o que levou a disputas regionais por causa da água. O Ministério da Água afirmou no início deste ano que os fluxos de água do Irão e da Turquia ficaram reduzidos a 50% durante todo o Verão.

Depois há a questão da poluição que chega de montante. Em 2019, o Governo iraquiano disse que cinco milhões de metros cúbicos de água dos esgotos estavam a ser bombeados todos os dias directamente para o Tigre, um dos rios que alimentam os pântanos do Iraque.

A ambientalista Azzam Alwash acredita que há uma necessidade urgente de o Iraque se comprometer com uma estratégia de gestão da água a longo prazo, uma vez que se estima que a sua população de quase 40 milhões de habitantes vá duplicar até 2050.

Aoun Dhiab, porta-voz do Ministério da Água, explicou que a estratégia do Governo passava por preservar as massas de água mais profundas e permanentes dos pântanos num mínimo de 2800 quilómetros quadrados (1080 milhas quadradas). “É isto que estamos a planear fazer: preservar as massas de água permanentes para proteger os recursos ecológicos e os recursos piscícolas”, disse.

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Dhiab acrescenta que os níveis de água nos pântanos melhoraram parcialmente desde o Verão, com menos evaporação devido à queda das temperaturas. As zonas húmidas reduzem-se e expandem-se naturalmente, disse, dependendo da estação do ano. Adiantou também que o Governo não podia fazer chegar mais água aos pântanos, quando há escassez de água potável no Verão.

“É claro que as pessoas nos pântanos querem mais água, mas temos de estabelecer prioridades. A prioridade vai para a água potável, para os municípios e para a preservação do rio Shatt al-Arab”, estabeleceu. A seca e a poluição do rio Shatt al-Arab causaram uma crise no Sul do Iraque em 2018, quando milhares de pessoas foram hospitalizadas com doenças de origem hídrica.

As consequências são, no entanto, punitivas para os árabes do pântano. No Verão, alguns familiares de Baher deslocaram os seus rebanhos para partes mais profundas dos pântanos, onde os níveis de salinidade eram mais baixos, mas tiveram de lutar pelos melhores locais, já que as famílias se viram forçadas a partilhar espaços reduzidos.

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A casa de Sabah Thaier Al-Sudani/Reuters
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As estimativas sobre a população actual dos pântanos variam muito. Chegaram a ser 400 mil pessoas nos anos 1950 e cerca de 250 mil terão regressado, quando os pântanos foram reflorestados. A diminuição do abastecimento de água levou agricultores a mudarem-se para as cidades, onde a falta de empregos e serviços esteve na origem de protestos no passado, mas Baher, tal como muitos outros jovens pastores, espera poder permanecer ali.

“Senti-me como um estranho na cidade”, disse, relembrando-se de quando os pântanos foram drenados. “Quando a água voltou aos pântanos, recuperámos a nossa liberdade.”