Mariana Vieira da Silva: “O OE apresentado tem uma marca de esquerda bem visível”
Embora dê sinais de que o Governo não está disponível para negociar alterações à lei laboral em sede de Orçamento, a ministra não descarta que se chegue a consensos com os partidos fora da discussão do OE.
Na véspera de o Presidente da República ouvir os partidos sobre o Orçamento do Estado, e com o PCP e o BE a afirmarem que votarão contra na fase de generalidade, se tudo se mantiver como está, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, insiste que do lado do Governo há margem para conversar com os parceiros da esquerda e descarta que esse caminho encontre alternativa no PSD. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença (que será integralmente transmitida às 23h), a governante admite ainda que há temas alvo de discussão que não faz sentido debater em sede de negociação orçamental, mas aceita que possam ser objecto de conversas paralelamente, incluindo no que diz respeito ao estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou à legislação laboral. Em resumo, ao “OE o que é do OE”, declarou.
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Na véspera de o Presidente da República ouvir os partidos sobre o Orçamento do Estado, e com o PCP e o BE a afirmarem que votarão contra na fase de generalidade, se tudo se mantiver como está, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, insiste que do lado do Governo há margem para conversar com os parceiros da esquerda e descarta que esse caminho encontre alternativa no PSD. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença (que será integralmente transmitida às 23h), a governante admite ainda que há temas alvo de discussão que não faz sentido debater em sede de negociação orçamental, mas aceita que possam ser objecto de conversas paralelamente, incluindo no que diz respeito ao estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou à legislação laboral. Em resumo, ao “OE o que é do OE”, declarou.
O BE disse que este OE não serve e o PCP disse que não era suficiente. A proposta do Governo, neste momento, não tem quem a viabilize à esquerda. Como é que isto se resolve?
Temos de estar disponíveis para negociar e o Governo está. O OE responde a muitas das preocupações que têm sido sinalizadas pelos dois partidos, pelo PCP e pelo BE. A nossa expectativa é que — sendo este um OE que responde às expectativas do país — possa ser aprovado depois dessa negociação.
Nos outros orçamentos não houve uma posição tão extremada na apresentação do documento. O que falhou? Foi o timing?
É evidente que o calendário foi mais comprimido do que noutros anos, mas não me parece que se possa dizer que este OE não responde àquelas que são as prioridades dos partidos. Há um caminho a fazer para o qual, volto a dizer, estamos completamente disponíveis.
O PCP diz que ainda há respostas diferentes que podem ser dadas nas negociações. Quais são?
As prioridades identificadas pelos partidos têm resposta neste Orçamento. Julgo que isso é reconhecido por todos, mesmo que seja referido que fiquem aquém ou sejam insuficientes. Espaço para negociar existe. Existiu sempre ao longo destes anos e foi sempre possível encontrar um caminho comum que agora nos cabe procurar.
E, nesse caminho, há mais respostas para as exigências do PCP do que para as exigências do BE? O BE levanta questões de legislação laboral, nas quais o PCP geralmente faz uma distinção.
Desde 2015 que as negociações são feitas separadamente e temos mantido com o PCP, BE, PEV e PAN um diálogo permanente sobre estas matérias. É verdade que quando uma parte das exigências não são orçamentais, mas integram outro conjunto de discussões que temos em curso, elas não podem aparecer no Orçamento, porque o OE não é o lugar delas. Mas temos em negociação em Concertação Social a agenda do trabalho digno e em preparação o estatuto do SNS que decorre da Lei de Bases da Saúde. São dois instrumentos fundamentais, duas reformas muito importantes que temos pela frente e no quadro dessas reformas podem ser discutidos outros temas. Ao Orçamento o que é do Orçamento. Temos um calendário suficientemente próximo para que as conversas possam decorrer, mas são necessariamente documentos separados.
A ideia de que há uns assuntos mais próximos ou fáceis de negociar do que outros não me parece útil neste momento. Cada um tem a sua maneira de negociar. Tem sido possível ao longo dos últimos muitos anos aproximar posições num quadro de reconhecimento das diferenças que existem. Todo este processo só foi possível desde 2015 porque cada partido pôde manter as suas posições sobre as diferentes matérias: da legislação laboral às questões orçamentais, à forma como lidamos com as regras e equilíbrio das contas públicas. Foi sempre possível que os pontos em comum pudessem ser construídos reconhecendo estas diferenças. Isso não é diferente depois da pandemia, nem nesta segunda legislatura.
O OE prevê um aumento do salário mínimo nacional. De que valor estamos a falar?
É um aumento de pelo menos 30 euros. Há sempre aqui uma margem que fica para estas decisões finais. Recordo que desde 2015 vivemos sempre com a crítica à direita de que é mesmo desta vez que este passo vai provocar crise económica. É mais um dos temas em que aquilo que nos separa do PSD explica que não é fácil negociar.
É então expectável que o aumento em 2023 seja de pelo menos 50 euros para cumprir a meta dos 750 euros.
Estes dois anos terão de ter esse aumento. A forma como se divide ainda não está fechada.
Quais são as linhas vermelhas do Governo?
Desde 2015, é claro que para nós um OE só é bom se for feito num cenário de contas públicas equilibradas. Isto não quer dizer que exista um número mágico do défice. Tanto é assim que o ano passado o défice foi muito maior, porque havia uma crise à qual responder, apoios sociais a desenhar. Agora, esse apoio já não é à suspensão [da economia], mas à recuperação. É claro que, num país com uma dívida como aquela que Portugal tem, tem de haver uma trajectória de descida dessa dívida.
Se falharem as negociações à esquerda, há alguma hipótese de negociar com o PSD?
O OE que é aqui apresentado tem uma marca de esquerda bem visível. E os poucos comentários que até ao dia de hoje conhecemos [do PSD] sobre as matérias orçamentais são que nunca fariam um aumento de salário mínimo tão grande ou que, provavelmente, se pudessem, nem o fariam e que um dos problemas que o país tem é um excesso de apoios sociais. Todas estas intervenções mostram a dificuldade que é encontrar um caminho comum de recuperação da crise entre o PS e o PSD.
No passado, o primeiro-ministro disse que no dia em que dependesse do PSD o seu Governo acabaria.
Estou a dar exemplos de por que é que essa negociação é difícil, para não dizer impossível. Não é um olhar comum.
Com os votos contra de todas as bancadas e com o PSD a ser um caminho “difícil, se não impossível”, até onde é que o Governo pode ir neste braço-de-ferro? O Presidente já disse que não queria uma crise política.
Não lhe chamaria um braço-de-ferro. É um momento normal, uma negociação entre partidos em que cada um procura defender as suas prioridades. E essa negociação entre PS, PAN, PCP, PEV e BE deve continuar e é para ela que estamos preparados. As reuniões têm acontecido e todos conhecemos as posições que temos. É o tempo dessa negociação, no enquadramento geral que temos tido desde 2015.
Já falou do caminho que é feito desde 2015 várias vezes. Arrepende-se que depois das legislativas de 2019 não tenham sido feitos acordos semelhantes aos que foram feitos em 2015, que poderiam trazer mais estabilidade para esta legislatura?
A existência de um acordo implica que se encontre esse ponto de compromisso. Não foi possível encontrá-lo em 2019. Mas, desde 2019, também tem sido possível aprovar orçamentos. Sabemos que há divergência e devemos procurar aproximarmo-nos, tendo sempre presente que um acordo é sempre um caminho de compromisso e não um caminho em que cada qual fica na sua posição.
Nas discussões do OE há sempre notícias de divisão dentro do Governo. Há uns anos tivemos o ministro da Saúde a dizer: “Somos todos Centeno.” Agora são todos Leão?
É evidente que há um momento em que cada um deve defender o interesse das áreas que representa. E esse equilíbrio é feito em debate. Não é feito ao acaso, nem com um consenso que se geraria por mero acaso. Nem sempre é fácil, mas faz parte. E, ao longo da história, muitas crises muito sérias decorreram desse debate. É o normal da vida política.
Mas esse debate interno chegou a ter expressão pública, com o ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, a manifestar alguma impaciência.
Faz parte da vida política. O pragmatismo implica saber que é assim. Há sempre dimensões públicas.
Não foi uma falta de solidariedade governamental?
O que importa é chegar ao fim com um orçamento entregue e com os problemas que identificamos resolvidos. É inquestionável que na ferrovia têm sido anos de investimento, como há anos não se via.