Juíza dos EUA critica colega anti-semita e pede novo julgamento para judeu condenado à morte
Randy Halprin foi condenado à pena capital pelo homicídio de um polícia durante uma fuga da cadeia, onde se encontrava a cumprir 30 anos de prisão por espancar um bebé. A sua condenação, por um juiz que queria “salvar Dallas dos judeus”, foi agora posta em causa.
Uma juíza do estado norte-americano do Texas recomendou a repetição do julgamento de um homem judeu, Randy Halprin, que foi condenado à morte em 2003 pelo homicídio de um polícia. Segundo a juíza, Halprin não teve direito a um julgamento imparcial porque o juiz que ditou a sentença, Vickers Cunningham, é “manifestamente racista e anti-semita”.
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Uma juíza do estado norte-americano do Texas recomendou a repetição do julgamento de um homem judeu, Randy Halprin, que foi condenado à morte em 2003 pelo homicídio de um polícia. Segundo a juíza, Halprin não teve direito a um julgamento imparcial porque o juiz que ditou a sentença, Vickers Cunningham, é “manifestamente racista e anti-semita”.
A opinião da juíza Lela Mays, de Dallas, não é vinculativa, cabendo agora ao Tribunal de Recursos do Texas decidir se o julgamento deve, ou não, ser repetido. Em 2019, o tribunal suspendeu a execução de Halprin e pediu à juíza Mays que investigasse as acusações de racismo e anti-semitismo contra o juiz Cunningham.
Em Abril de 2020, o Supremo Tribunal dos EUA recusou-se a apreciar um pedido dos advogados de Halprin para um novo julgamento, em parte porque o processo ainda está a decorrer nos tribunais do Texas. Ainda assim, uma das juízas do Supremo, Sonia Sottomayor, disse que as denúncias são “profundamente perturbadoras”, e recordou que a Constituição dos EUA garante a todos os cidadãos um julgamento imparcial.
O caso está a ser acompanhado com atenção nos EUA porque põe em evidência as particularidades de um sistema judicial em que muitos juízes são eleitos como se fossem políticos, e por envolver um condenado que tem um passado particularmente violento.
Fuga da prisão
Randy Halprin, de 44 anos, fez parte de um grupo conhecido como os Texas Seven — sete prisioneiros que fugiram de uma cadeia do Texas, em 2000, e que fizeram dois assaltos violentos na zona sul do estado norte-americano.
Quando escapou da cadeia, a 13 de Dezembro de 2000, Halprin estava a cumprir uma pena de 30 anos de prisão por ter espancado um bebé — o filho da sua namorada na altura —, partindo-lhe os braços e as pernas. No julgamento desse caso, em 1997, Halprin deu-se como culpado e disse que ficou transtornado com o choro do bebé.
Já depois da fuga da cadeia, durante o assalto a uma loja no Texas, na véspera do Natal de 2000, Halprin e os outros seis fugitivos cercaram um polícia que ainda estava no carro-patrulha e dispararam mais de 30 balas contra ele. O agente foi depois retirado do carro por um dos assaltantes e baleado à queima-roupa na cabeça, sendo ainda atropelado de propósito durante a fuga.
Seis dos sete membros do grupo, incluindo Halprin, foram capturados em Janeiro de 2001, e um deles suicidou-se durante o cerco da polícia. Os seis foram condenados à morte em 2003, com base numa lei do Texas que permite a aplicação da pena capital a todos os envolvidos num crime que resulte num homicídio, independentemente de quem seja o principal responsável.
Reviravolta
Em 2018, os advogados de Halprin descobriram que o juiz responsável pela sentença, Vickers Cunningham, de Dallas, proferira vários insultos racistas e anti-semitas durante o julgamento de 2003. Em parte, o caso resultou de uma entrevista dada pelo próprio juiz ao jornal Dallas Morning News.
Na entrevista, Cunningham disse que o seu testamento tem uma cláusula que recompensa os filhos por se casarem com pessoas brancas.
“Eu apoio fortemente os valores da família tradicional”, disse o juiz. “Se eles se casarem com uma pessoa do sexo oposto que seja caucasiana e cristã, serão recompensados.”
A partir daí, os advogados reuniram testemunhos de antigos colegas do juiz Cunningham, que o acusaram de ser abertamente racista e anti-semita.
Entre outros exemplos, o juiz terá tratado Halprin, durante o julgamento, por “aquele judeu de merda"; e, durante uma campanha eleitoral para o cargo de procurador do condado de Dalas, em 2006, Cunningham terá dito a uma colega — usando expressões ofensivas — que queria ser eleito “para salvar Dallas dos judeus, católicos, negros e latinos”.
Repetição é “único remédio"
Esta semana, a juíza Mays anunciou que as suas investigações chegaram ao fim, com a conclusão de que Halprin tem de ser novamente julgado pelo homicídio cometido em 2000 — uma decisão que, a ser acolhida pelo Tribunal de Recursos do Texas, obrigará o Ministério Público a preparar um novo processo de acusação, que depende de pormenores observados por testemunhas há mais de 20 anos.
Na sua decisão, a juíza Mays afirma que o juiz Cunningham “tinha um preconceito real contra Halprin, por causa da fé religiosa deste”.
“O único remédio é a realização de um novo julgamento, imparcial”, disse a juíza. “Mesmo que o juiz Cunningham não tivesse um preconceito contra a identidade judaica de Halprin, as declarações dele sobre o desejo de salvar Dallas dos judeus, e as suas ofensas com base em estereótipos anti-semitas, mostram que o preconceito religioso e étnico não manteve a balança equilibrada entre o Estado e Halprin”.