O cinema e uma cidade num limbo: Nova Iorque

O New York Film Festival é a porta de entrada das estreias prestigiantes do ano, em Nova Iorque, e um arranque da rentrée cultural da cidade. As salas de cinema tentam resistir, ainda assim, às incertezas que pairam no ar.

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Noam Galai/Getty Images

Apanha-se o metropolitano nova-iorquino numa segunda-feira de manhã cedo, naquela que costumava ser a terrível hora de ponta, e, em vez de viajarmos a meio milímetro do rosto do passageiro em frente, seguimos numa carruagem que nos parece levar de volta a um preguiçoso domingo à tarde de 2019. Há espaço para toda a gente e o mesmo acontece nas ruas, onde já não é preciso colocar um pé à frente do outro, num ritmo constante e previsível, para nunca romper a fascinante harmonia de um movimento urbano onde todos sabem para onde vão. Os escritórios da imponente Midtown estão semi-vazios, o magnífico Empire desespera para que antigos ocupantes não o abandonem em definitivo (o New York Times publicava um artigo, há semanas, onde falava de um arranha-céus em luta pela sobrevivência) e os preços das casas nos subúrbios continuam em alta. As salas de cinema de Nova Iorque reabriram apenas em Março de 2021, após um ano de encerramento, e algumas delas, como o Metrograph, sala de Chinatown que prometeu, em 2016, voltar a tornar a experiência colectiva de ver um filme em algo cool e entusiasmante com uma curadoria cuidada e um restaurante reputado, preferiu ficar fechado e apostar num novo serviço de streaming que continua em funcionamento após o regresso das sessões presenciais no início do mês (ao contrário do Film Forum, sala histórica cujo site deixou de oferecer visionamentos online). Ao visitar o Louis N. Jaffe Theater, antigo teatro Yiddish de arquitectura revivalista neo-árabe (chamado, na década de 50, de “homosexual Copacabana”), hoje apelidado de Village East Cinema, vemos The Card Counter (2021) de Paul Schrader, em dia de estreia, rodeados de três espectadores e mais de 400 cadeiras vazias. Do you remember the good old days before the ghost town?, cantavam os Specials, décadas antes de sentirmos que tal se aplicaria ao clima nova-iorquino e à sensação de incerteza que ainda paira na cidade em relação ao futuro da experiência colectiva de vermos um filme, a qualquer momento, no meio de uma multidão.