Empresas com incentivos ilegais na Zona Franca começam a ser notificadas até ao fim do ano
Bruxelas dera oito meses a Portugal para avançar com a recuperação das ajudas, mas processo ainda não terminou. Pelo meio, Lisboa tentou travar essa obrigação.
As empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM) que receberam incentivos fiscais ilegais superiores a 200 mil euros vão começar a ser notificadas até ao final deste ano para devolverem as ajudas, disse o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.
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As empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM) que receberam incentivos fiscais ilegais superiores a 200 mil euros vão começar a ser notificadas até ao final deste ano para devolverem as ajudas, disse o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.
Ouvido no Parlamento nesta quarta-feira a pedido do Bloco de Esquerda sobre o relatório de combate à fraude e evasão fiscais, o secretário de Estado Adjunto de João Leão confirmou que o Governo apresentou à Comissão Europeia um plano de recuperação dos auxílios de IRC “dados de forma ilegal”.
Quando, em Dezembro de 2020, Bruxelas concluiu que Portugal aplicou o regime III da zona franca (anterior ao actual) de uma forma ilegal, por contornar duas decisões da Comissão Europeia (de 2007 e 2013) que estabeleciam as condições em que a ZFM podia funcionar, o Estado português ficou obrigado a ir recuperar os benefícios indevidos junto das empresas — daquelas que beneficiaram de uma redução do IRC (para taxas de 3%, 4% e 5%, consoantes os anos) sem cumprir os critérios de criação de postos de trabalho na Região Autónoma da Madeira e sem que os rendimentos alvo do benefício do IRC tivessem uma ligação “a uma actividade efectiva e materialmente executada” no arquipélago.
Bruxelas deu oito meses a Portugal para executar a decisão a recuperação, mas o processo está a demorar mais do que o período indicado pela Comissão.
Ao mesmo tempo em que dá esse passo, o Estado português está, em sentido oposto, a tentar fazer cair a decisão que o obriga a avançar com os pedidos de devolução. Em Fevereiro, quando já tinham começado a contar esses oito meses, Portugal colocou uma acção no Tribunal Geral da União Europeia (UE) para anular a decisão da Comissão Europeia de Dezembro de 2020. E, além desse processo principal, apresentou uma espécie de pedido cautelar para — até haver uma sentença nesse diferendo — se suspender o processo de devolução das ajudas ilegais, mas perdeu esse recurso. Lisboa argumentava, entre outras razões apresentadas, que a devolução iria causar um prejuízo “grave e irreparável” ao país durante a pandemia.
O presidente do Tribunal Geral, Marc van der Woude, considerou que o Estado português não conseguiu demonstrar esse risco iminente, não tendo apresentado provas de que o processo iria levar à “cessação da actividade de todas ou da maioria das sociedades actualmente instaladas” na ZFM.
A empresa Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), concessionária pública da zona franca, destaca no seu site o facto de, em 2020, “num ano em que se verificou uma quebra exponencial da receita fiscal do tecido empresarial” na Madeira, o centro de negócios ter conseguido “aumentar o seu contributo em termos percentuais e absolutos” para a receita regional, ao representar 108,1 milhões de euros, sendo que a cobrança de IRC, de 54,5 milhões, representa “mais de 70% das receitas de IRC geradas na região”.
A decisão final da Comissão é do final de 2020, mas o processo que lhe está subjacente é conhecido desde Julho de 2018, quando se iniciou uma investigação aprofundada cuja conclusão preliminar — no sentido da ilegalidade — já apontava para o cenário de algumas empresas serem chamadas a devolver as ajudas indevidas (porque a decisão preliminar de 2018 foi confirmada em 2020).
Depois dos dois anos de investigação aprofundada, que se seguiram a três anos de monitorização, Bruxelas concluiu que houve benefícios concedidos por Portugal com base em postos de trabalho que, embora estivesse fora da Madeira e da União Europeia, foram contabilizados como se estivessem no arquipélago. Foram contabilizadas as mesmas pessoas como trabalhadores em várias empresas, o que fez empolar o número de empregos criados. Alguns trabalhadores foram contabilizados como se estivessem a tempo inteiro embora fossem trabalhadores a tempo parcial.
Entretanto, para o regime fiscal actualmente em vigor, o Parlamento aprovou este ano novas regras para a atribuição dos incentivos, clarificando que as empresas licenciadas na zona franca até 2027 só podem beneficiar do IRC de 5% sobre os lucros gerados na região e só são elegíveis os empregos criados na Madeira.