Saúde: um Orçamento generoso que tem de ser bem usado
O reforço de fundos e a atenção que se pretende dar aos profissionais de saúde têm que resultar num melhor funcionamento do SNS. O que não é consequência automática de mais dinheiro.
A pergunta central, em cada novo Orçamento do Estado, no que ao sector da saúde diz respeito, é se a dotação atribuída ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) é suficiente. Ter um orçamento realista no SNS significa que os fundos chegam para garantir o apoio à população que é pretendido.
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A pergunta central, em cada novo Orçamento do Estado, no que ao sector da saúde diz respeito, é se a dotação atribuída ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) é suficiente. Ter um orçamento realista no SNS significa que os fundos chegam para garantir o apoio à população que é pretendido.
É difícil responder a esta questão porque o SNS é uma linha de transferência de verba, e as políticas enunciadas no documento são descritas em termos gerais, sem se saber como serão executadas e geralmente sem se saber a verba atribuída.
Tomando o valor global executado em 2020 de 12.559 milhões de euros (2021 ainda está em curso e tem uma estimativa de 12.551 milhões de euros), nos quais 970 milhões de euros foram resposta à pandemia (Conta Geral do Estado 2020), um orçamento para 2022 à volta dos 13.529 milhões de euros, dos quais 11.011 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), surge potencialmente suficiente.
Claro que depende da forma como for utilizado. Ler mais despesa do SNS como sinónimo de melhoria não é imediato. Se a verba for toda gasta em aumentos salariais ou pagamento de serviços a preços mais elevados, nada muda para o cidadão, mesmo que se gaste mais.
Se a atribuição de orçamentos aos hospitais (os principais geradores de dívida do SNS, e de problemas de funcionamento, como crescentes listas de espera) for minimamente realista, deverá exigir-se que estanquem o tradicional crescimento da dívida. Obriga também a que haja uma avaliação de desempenho da gestão (sempre prevista em sucessivos Orçamentos do Estado, sempre desconhecida nas suas implicações reais) e substituição de equipas de gestão se a dívida não parar.
As dívidas em atraso, desde maio de 2020, cresceram em média 64 milhões de euros por mês, ainda assim inferior ao período anterior, em que foi de cerca de 75 milhões de euros por mês (de julho de 2019 a fevereiro de 2020). Esta dinâmica sugere que voltar aos orçamentos iniciais pré-pandemia trará novamente problemas de dívidas a crescer. Estas situações resultam em disfuncionalidades e em decisões que acabam por aumentar as necessidades financeiras do SNS. Como estes (des)equilíbrios serão afetados com mais fundos mas também mais contratações e promoções não é claro.
Ou seja, em termos agregados, os valores do Orçamento do Estado para 2022 são um reforço de verba generoso, e agora tem de ser bem usado. Esta observação é menos trivial do que parece, pois, como o Governo reclama, desde 2015 houve um acréscimo de verbas para o sector público da saúde, sendo lícito perguntar-se por que tão pouco aparentemente mudou no SNS (e com dificuldades que têm sido recentemente divulgadas).
Um assunto normalmente polémico em termos políticos é o das Parcerias Público-Privado. Encontram-se em fase de extinção na parte de gestão clínica (irá manter-se apenas no Hospital de Cascais, caso o concurso para nova atribuição chegue ao fim com sucesso), ficando apenas limitadas à construção e manutenção de edifícios hospitalares. É o fim de um ciclo, que globalmente correu bem para o SNS enquanto entidade contratante.
Dois outros aspetos merecem menção. Primeiro, um reganhar de alguma autonomia no recrutamento de profissionais de saúde, e maior no caso de contratação de médicos. E com o objetivo enunciado de reduzir o recurso a empresas de prestação de serviços (que contratam os médicos que os hospitais não podiam recrutar diretamente). Segundo, a intenção de avançar para a dedicação plena (exclusividade dos médicos no SNS), cujos contornos exatos ficam para discussão futura, para quando for estabelecido o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, o que supostamente ocorrerá em 2022. Veremos.
Sendo o primeiro aspeto de vantagem óbvia, e o segundo dependente do que for exatamente definido, será apropriado que ambos sejam enquadrados numa política mais geral para os profissionais de saúde. Incluindo também aqui as aprendizagens e consequências do período de pandemia. O reforço de fundos e a atenção que se pretende dar aos profissionais de saúde têm que resultar num melhor funcionamento do SNS. O que não é consequência automática de mais dinheiro.
O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico