As mães que estão em casa são trabalhadoras ou vivem à conta dos maridos?
A verdade é que não se ouve falar do valor que estes pais acrescentam aos filhos, mas o maior paradoxo é que não há psicólogo do mundo que não garanta os benefícios imensos que pais presentes representam a curto, a médio e a longo prazo.
Querida Mãe,
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Querida Mãe,
Queria contar-lhe uma história. O José ficou retido no trabalho porquê tinha um problema para resolver com urgência: faltava-lhe uma das peças para um protótipo que ia apresentar na manhã seguinte a uns clientes. Ele sabia que não era o fim do mundo, podia sempre adiar a reunião, ou mostrar um modelo mais atrasado, mas percebia que se o fizesse ficaria furioso consigo próprio por ter falhado, além de deixar mal vista a empresa, o que estava fora de questão.
Por isso, ligou à mulher para lhe dizer que ia chegar muito tarde, e ela respondeu que percebia perfeitamente, daria o jantar e meteria os miúdos na cama.
O José respirou fundo e dedicou-se a resolver a questão que tinha em mãos, ligou para vários fornecedores, negociou preços, descobriu quem fazia o serviço de entregas mais rápidas e, finalmente, fechou o assunto às meia-noite e meia. Deitou-se exausto, mas confiante de que aquele sprint final ia facilitar-lhe a vida no dia e meses seguintes.
Mãe, o que sente quanto ouve esta história? E se eu lhe contar esta?
Eram cinco da tarde quando a Joana percebeu que os calções de Educação Física de um dos filhos estavam rotos. Não tinha outros e a aula de ginástica era a primeira da manhã, e este ano é o primeiro do filho naquela escola. Sabia que não era o fim do mundo, podia ir com uns calções que não fossem da farda, mas sabia que ele ia odiar estar diferente dos outros, e ela própria sentia vergonha de parecer uma mãe pouco organizada. Determinada, ligou para outras mães, pôs um SOS no grupo do Facebook e procurou no site de algumas lojas para comparar preços porque, apesar da pressa, não podia aumentar muito a despesa familiar (que já estava apertada).
Queria pedir ao marido que tratasse de tudo o resto enquanto se sentava à procura da melhor solução mas, infelizmente, logo nesse dia, ele tinha ficado retido no trabalho, por isso foi enviando mensagens e abrindo páginas na Internet enquanto fazia o jantar, preparava lancheiras, tirava uns do banho e procurava lembrar-se de como se fazia uma conta de divisão para ajudar o mais velho. Finalmente, eureka, encontrou o que procurava, exigia sair de casa, mas valia a pena. Menos uma birra de uma criança aflita, menos um comentário da auxiliar e da professora, menos uma falta de material. Conseguiu, já com todos jantados, enfiá-los no carro, passar em casa de uma amiga salvadora, aproveitando a viagem — já agora — para adormecer o bebé.
O José é um prestigiado gestor de uma empresa. Ganhou um prémio pelo seu empenho e eficiência. A Joana é, bem, uma mãe que não trabalha. Está só com os miúdos em casa.
Querida Ana,
A moral das tuas histórias é ainda pior do que a pintaste. Queres uma aposta que ainda há muita gente, mulheres incluídas, que as lê e pensa qualquer coisa como: “Ah pois, mas o ordenado dele sustenta a família!” E que talvez, mesmo sem querer, faz um juízo de valor sobre uma mãe que ainda por cima não tendo mais nada que tratar senão da família se esquece de comprar, logo no início do ano, dois ou três pares de calções para as eventualidades.
Ana, os anos passam e não consigo esquecer uma frase que uma vez ouvi a Bagão Felix: “Se uma mulher ficar em casa a tomar conta de uma vaca conta para o PIB, mas se ficar com um filho não representa qualquer valor acrescentado.” E não consigo esquecer, porque na prática o mundo mudou muito menos do que desejávamos, embora, Ana, tenhamos de saudar o Linkedin por incluir a opção profissional “mãe a tempo inteiro”, na sua definição de perfil —pelo menos prometeram-no publicamente, tenho de lá ir confirmar se já está em funcionamento.
Para muita gente estas mulheres vivem à conta do marido, como se a maioria não tivesse de prescindir de muita coisa que o conforto económico de um ordenado ao fim do mês acaba por trazer (mesmo descontando o que se paga por uma ama ou uma creche). A verdade é que não se ouve falar do valor que estes pais acrescentam aos filhos, mas o maior paradoxo é que não há psicólogo do mundo que não garanta os benefícios imensos que pais presentes representam a curto, a médio e a longo prazo.
Mas porque esse valor não é convertível em euros, como o do vitelo que quando estiver bem gordinho e saudável se vende numa feira de gado, não era inteligente que o assumíssemos e valorizássemos, protegendo esta opção — e atenção, porque é fundamental que seja uma opção! No mínimo, pelo menos, tanto quanto valorizamos o trabalho de uma educadora numa creche ou jardim-de-infância? Até porque, bem vistas as coisas, estas mães aliviam também o bolso do contribuinte, já que o Estado, mesmo que de forma insuficiente, lá vai subsidiando a guarda destas crianças quando os pais trabalham fora.
Espera, há mais – como já escrevi muitas vezes — estas mulheres não têm protecção da segurança social, não descontando para a segurança social (porque oficialmente não trabalham!), não têm direito a licenças de maternidade pagas, nem a baixas por doença, nem a fundos de desemprego. Já é mais do que tempo de acabar com este absurdo. Queres fazer uma petição para que cada um dos teus filhos seja pelo menos tão considerado como um vitelo?
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.