Experiências com jardins
O jardim, como qualquer forma de arte, reflecte os homens do seu tempo e, mais que a generalidade das outras formas de arte, reflecte também a forma como nos relacionamos com a natureza, em cada momento.
É um lugar-comum dizer que um jardim é a concretização possível da ideia de paraíso. O que é menos frequente é lembrarmo-nos de que a ideia de paraíso, para além de intrinsecamente pessoal, é uma ideia de cada tempo e lugar.
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É um lugar-comum dizer que um jardim é a concretização possível da ideia de paraíso. O que é menos frequente é lembrarmo-nos de que a ideia de paraíso, para além de intrinsecamente pessoal, é uma ideia de cada tempo e lugar.
A conferência “Garden Transitions” — que decorreu na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, de 27 a 28 de Setembro — foi um evento internacional que, além de nos lembrar de como tempo e lugar formatam o jardim, procurou-se discutir os mecanismos de transmissão que estão associados à evolução da arte dos jardins.
O jardim, como qualquer forma de arte, reflecte os homens do seu tempo e, mais que a generalidade das outras formas de arte, reflecte também a forma como nos relacionamos com a natureza, em cada momento.
Todas as manifestações artísticas estão limitadas pelas capacidades técnicas disponíveis em cada momento. Não é possível compor música para um instrumento que não existe, não é possível construir um instrumento com materiais que não se conhecem ainda, etc.. O que é específico na arte dos jardins, se se quiser, na arte da paisagem, é que essas limitações estão profundamente enraizadas nas características do sítio em que se constrói o jardim.
A arte dos jardins vive das ideias, claro, como qualquer outra forma de arte.
Mas para ser exequível e persistir ao longo do tempo é preciso conhecer os materiais com que é construído e as técnicas que permitem a manipulação dos processos naturais, fertilidade, água, clima, vegetação, o solo, e mais ainda, as relações entre eles, o que torna a transmissão de uma ideia de jardim, de um local para outro, muito menos directa que noutras formas de arte.
Ao longo do tempo, seja por relações de dominação, seja pelo comércio, seja pelas viagens pelos mais variados motivos, seja mesmo pela importação voluntária de ideias, soluções e executores — a formação de um jardineiro de bom nível, implica muitos anos a tentar compreender os processos naturais —, os jardins vão absorvendo as ideias que se desenvolveram noutros locais.
Aspectos práticos, como o preço da energia que permite importar materiais de construção do outro lado do mundo, ampliando o leque de soluções disponíveis ou a troca de plantas resultante da globalização, são parcialmente responsáveis pela transferência de soluções entre diferentes contextos sociais e ecológicos.
O jardim depende sempre das condições concretas que existem no sítio em que é construído, o que significa que qualquer processo de transferência esteja associado a um profundo esforço de adaptação, que dá origem a soluções que, aqui e ali, voltam ao lugar de origem da ideia como inovações aparentemente originais, de tal forma a adaptação obrigou a refazer a forma em que cabia a ideia original.
Grande parte da circulação de ideias de jardim, ou de paisagem, não depende de mecanismos formais — como quando Pedro, o Grande, e outros nobres russos importaram o modelo de jardins que visitaram em França —, mas da simples curiosidade de pessoas comuns que trazem para o seu mundo o que os entusiasmou no mundo dos outros.
Ao estudar a forma como nos influenciamos mutuamente, “iluminando-nos mutuamente”, mesmo em formas de arte tão dependentes do sítio concreto em que existem e são possíveis, percebemos melhor como o jardim, qualquer jardim, tanto é uma forma de falarmos de nós, como é uma forma de falarmos da forma como nos relacionamos com a natureza.