Medo de envelhecer
Neste que é o Dia Internacional das Pessoas Idosas importa esclarecer que envelhecer é um processo natural que ocorre ao longo de toda a vida. Porém, muitas são as pessoas que receiam este processo. Será fruto da discriminação?
Existem estereótipos (como pensamos), preconceitos (como sentimos) e discriminações (como agimos), culturalmente enraizados, que tendem a isolar os “velhos” num grupo homogéneo, delimitado estritamente pela idade cronológica e caracterizado quer pelo declínio ou perda de capacidades (cognitivas e/ou motoras), quer pela fragilidade e necessidade de apoio e protecção — recorde-se o isolamento imposto durante a pandemia, com base em critérios estritamente etários.
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Existem estereótipos (como pensamos), preconceitos (como sentimos) e discriminações (como agimos), culturalmente enraizados, que tendem a isolar os “velhos” num grupo homogéneo, delimitado estritamente pela idade cronológica e caracterizado quer pelo declínio ou perda de capacidades (cognitivas e/ou motoras), quer pela fragilidade e necessidade de apoio e protecção — recorde-se o isolamento imposto durante a pandemia, com base em critérios estritamente etários.
Também existe a tendência de associar aos “mais velhos” a impossibilidade de continuar a evoluir através da aprendizagem, explícita na facilidade com que se descartam os trabalhadores mais velhos e mais experientes, no acesso que lhes é vedado a formação contínua e na desvalorização das suas competências e transmissão de saber aos mais novos. A partir de determinada idade (50? 60? 70? anos), tornamo-nos apenas “velhos”, sendo as outras características e a própria história pessoal apagadas.
Em todas as fases da vida existem metas e obstáculos. Mas vivemos rodeados de sinais que identificam os jovens com alegria, pele e corpo perfeitos, sempre rodeados de amigos, a comer e a beber o que bem lhes aprouver. No lado oposto, aparecem os “velhos” com dores articulares, a precisar de óculos e aparelhos auditivos. Estes preconceitos são reforçados pela disseminação constante da discriminação. A saúde sofre bastante com esta atitude. E não é só a dos velhos, basta atendermos aos números assustadores de obesidade infantil e juvenil, às perturbações depressivas e de ansiedade nos jovens, ao aumento do consumo de álcool e drogas, ao insucesso escolar, à iliteracia, à disfunção familiar e ao crescente número de divórcios. Pergunto: serão os velhos os mais frágeis, os que necessitam de apoio e protecção, os que já não estão em idade de aprender, os que já não têm idade para iniciar uma relação afectiva saudável?
O envelhecimento é um processo de toda a vida, desde o nascimento até à morte. Envelhece-se tanto melhor, quanto melhor se viveu e vive.
Existem vários “pontos de viragem” na nossa biografia, como sejam: os primeiros passos da criança que começa a andar, a aprendizagem da leitura, a faculdade, o trabalho, o casamento, os filhos e… a reforma. Esta etapa deve ser preparada com muita antecedência em relação à data da sua concretização, porque não será “um período de férias um pouco mais longo”. É mais uma fase da vida, com metas e obstáculos, para ser vivida com plenitude e alegria de concretizar “aquilo que não se fez antes”. Têm de se manter os hábitos de vida saudáveis: conviver, não apenas com a família, mas com amigos, antigos colegas, vizinhos, porque é fundamental contrariar o isolamento, que é o pior inimigo da velhice; manter a prática diária de exercício físico (ao ar livre, de preferência); ter uma alimentação saudável (não cair no hábito do “chá com torradas”) e uma boa qualidade de sono (nunca é normal só dormir com comprimidos); desenvolver interesses, sejam ofícios ou actividades intelectuais; e manter o mesmo nível de cuidados pessoais (não descurar a aparência, só “porque já não é preciso, nem vale a pena”).
A procura de ajuda médica, sempre que necessário, não pode ser desvalorizada, porque justificar qualquer sintoma ou fragilidade na saúde — física e mental — com a desculpa de que “isso é da idade” é tudo menos um diagnóstico (muito menos médico).
Educar para a cidadania não dispensa valores como o respeito e a solidariedade — individual e institucional, desde a escola ou o emprego à comunicação social ou prestação de cuidados de saúde. Cabe às instituições promover, nas suas áreas de competência, as condições necessárias ao bem-estar das pessoas ao longo de toda a vida, atendendo às capacidades e às limitações próprias de cada fase do desenvolvimento de todos nós.
Olhar a vida como um continuum no tempo, do primeiro ao último dia, sem excluir nem desvalorizar etapas, depende da atitude de cada um na relação consigo mesmo e com a sociedade que o rodeia. Só assim não haverá lugar ao medo de envelhecer.
“Rico não é o homem que colecciona e se pesa no amontoado de moedas (…); rico é o homem que aprendeu a conviver com o tempo (…)”
Raduan Nassar, Lavoura Arcaica