Tróia, um paraíso entre o rio e o mar

“O areal estendendo-se até se perder de vista; a serra da Arrábida, erguendo-se orgulhosa do outro lado do estuário; e o mar calmo, de águas maravilhosamente transparentes”. O leitor Bento Pina evoca as memórias de Tróia.

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Empoleirado nas grades verdes, fecho os olhos. Consigo sentir as ondas a rebentarem contra o casco enquanto o vento frio do estuário me fustiga a face. O sol quente de verão banha-me as costas, as ondas embalam o barco e eu, de olhos fechados, quase adormeço. É aqui que começa a minha fuga: empoleirado nas barras verdes de um ferry, de Setúbal a Soltroia.

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Empoleirado nas grades verdes, fecho os olhos. Consigo sentir as ondas a rebentarem contra o casco enquanto o vento frio do estuário me fustiga a face. O sol quente de verão banha-me as costas, as ondas embalam o barco e eu, de olhos fechados, quase adormeço. É aqui que começa a minha fuga: empoleirado nas barras verdes de um ferry, de Setúbal a Soltroia.

Não querendo perder o espectáculo, abro os olhos, com esforço, e, olhando para o mar, vejo alforrecas. Sobem a crista de cada onda e voltam a desaparecer nas profundezas do oceano. Mas apenas por uns segundos, até que voltam a ser visíveis à superfície. Pergunto-me se também estarão a aproveitar o sol.

Quando estamos quase a atracar, o meu pai chama-me e eu corro para as escadas, em direcção a uma das pequenas janelas do andar de baixo. Neste momento somos os únicos lá. Todos os outros passageiros já estão dentro dos seus veículos, ansiosos para sair da minha adorada lata de metal e começar as férias. A minha mãe chama-nos do carro e o meu pai apenas sorri, dizendo-lhe que já vamos. Na verdade, ainda vamos demorar um bocado, nunca vamos antes de o barco atracar e de o meu pai partilhar todo o seu conhecimento de engenharias e de me explicar toda a logística e tecnicalidades de “estacionar” um barco. Faz isto todos os anos e todos os anos é a mesma explicação de base, ainda que cada vez mais complexa: à medida que cresço, também cresce a explicação. No entanto, não importa o tamanho e a complexidade da exposição, todos os anos voltamos para o carro a tempo, para alívio da minha mãe e dos restantes condutores, que não poderiam sair se o meu pai não movesse o automóvel.

Mais tarde, já chegados à casa onde vamos ficar durante algum tempo, eu e o meu irmão pegamos na bicicleta e pedalamos, primeiro pelos caminhos de alcatrão, depois pelos de terra batida, que, lentamente, se transformam em areia até chegarmos à praia. A esta hora nunca há muita gente na praia pois é domingo à tarde e as pessoas já voltaram para a cidade para trabalhar.

Paramos no miradouro e observamos o cenário paradisíaco que se desenrola à nossa frente: o areal estendendo-se até se perder de vista; a serra da Arrábida, erguendo-se orgulhosa do outro lado do estuário; e o mar calmo, de águas maravilhosamente transparentes. Descemos a velha escadaria a correr e continuamos nesse ritmo pelo areal abaixo, até chegarmos à beira do mar. Lá, enterramos os nossos dedos na areia fina e rimo-nos, deliciados, quando a água gelada nos lambe os tornozelos. Sentamo-nos na areia molhada a ver o pôr do Sol, só os dois, em silêncio, observando a água a trepar-nos pelas pernas, a passar de um lado para o outro e a voltar para o mar, livre, tal como nós. Pelo menos enquanto aqui estivermos.

Bento Pina