Eating or heating?
No momento em que se escreve este texto, já dois terços das bombas tiveram que fechar pelo Reino Unido fora, porque o nosso modelo civilizacional de transporte de bens e recursos just in time não aguenta com picos de procura demasiado elevados.
Em mais um episódio da telenovela Brexit: The Sunlit Uplands, a falta de camionistas em terras de sua majestade levou à disrupção das cadeias de abastecimento de combustíveis. Após cinco bombas de gasolina terem fechado na sexta-feira, as redes sociais fizeram o que foram criadas para fazer: amplificar histórias que mexam com as inseguranças das pessoas. Os jornais juntaram-se à festa e transformaram um não-problema na nova Corrida ao Papel Higiénico 2020. Seguiram-se engarrafamentos de horas, áreas urbanas completamente imobilizadas e serviços de emergência no estaleiro porque a malta decidiu toda ir encher o depósito, contentores portáteis e afins. No momento em que se escreve este texto, já dois terços das bombas tiveram que fechar pelo país fora, porque o nosso modelo civilizacional de transporte de bens e recursos just in time não aguenta com picos de procura demasiado elevados. Note-se que, como garante o Governo, não há falta de combustível nas refinarias e o problema é que esse combustível não chega às gasolineiras. Encontramo-nos, assim, perante o paradoxo da gasolina de Schrödinger: estamos simultaneamente cheios dela mas ninguém a consegue cheirar.
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Em mais um episódio da telenovela Brexit: The Sunlit Uplands, a falta de camionistas em terras de sua majestade levou à disrupção das cadeias de abastecimento de combustíveis. Após cinco bombas de gasolina terem fechado na sexta-feira, as redes sociais fizeram o que foram criadas para fazer: amplificar histórias que mexam com as inseguranças das pessoas. Os jornais juntaram-se à festa e transformaram um não-problema na nova Corrida ao Papel Higiénico 2020. Seguiram-se engarrafamentos de horas, áreas urbanas completamente imobilizadas e serviços de emergência no estaleiro porque a malta decidiu toda ir encher o depósito, contentores portáteis e afins. No momento em que se escreve este texto, já dois terços das bombas tiveram que fechar pelo país fora, porque o nosso modelo civilizacional de transporte de bens e recursos just in time não aguenta com picos de procura demasiado elevados. Note-se que, como garante o Governo, não há falta de combustível nas refinarias e o problema é que esse combustível não chega às gasolineiras. Encontramo-nos, assim, perante o paradoxo da gasolina de Schrödinger: estamos simultaneamente cheios dela mas ninguém a consegue cheirar.
Com a covid-19 temporariamente sob controlo, o Reino Unido entra agora numa fase de crescimento económico poderoso. Cresce a inflação para os níveis mais altos da última década. Crescem os impostos, com o Partido Conservador a quebrar mais uma promessa eleitoral para financiar o sistema nacional de saúde. Crescem as descargas de águas residuais não tratadas por falta de químicos. Crescem os cortes aos benefícios de quem mais precisa. O único indicador que não cresce é o que mais interessa e se pode ver na conta bancária ao fim do mês. Crescem também as contas de energia (aqui em casa já vamos em 30% de aumento). Uma explosão de um gasoduto no Canal da Mancha, associada à falta de vento e aumento de procura mundial de gás natural levou a que os preços aumentassem para níveis estratosféricos. Desencadeou-se uma reacção em cadeia, com empresas a falir, deixando milhões de consumidores à arder mesmo às portas do Inverno. A falta de gás natural parou a produção de dióxido de carbono, impedindo o abatimento de animais por asfixia e levando, literalmente, ao triunfo dos porcos.
Mas sejamos optimistas e olhemos para o copo meio vazio com óculos polarizados cor-de-rosa. A falta de energia e gasolina vai permitir que menos gente se desloque aos supermercados (por falta de combustível ou por se ter tornado na Elsa do Frozen), se depare com as prateleiras vazias e comece outra onda de açambarcamento. Aparentemente, sem trabalhadores europeus nas cadeias de fornecimento, não podemos usufruir da nossa posição no topo da cadeia alimentar. Numa tentativa de agradar aos eleitores saudosistas, o governo considera reintroduzir o sistema imperial de medições nas lojas do país. Seguir-se-á, certamente, a reintrodução da poliomielite, doença das vacas loucas e da caça às bruxas. Fica aqui uma tabela de conversão para se poder navegar os corredores de supermercado com confiança:0 quilos de citrinos nas prateleiras = 0 libras de citrinos nas prateleiras.
Segundo o governo, estamos perante mais uma tempestade perfeita, a terceira ou quarta numa sequência interminável de tempestades perfeitas. Um verdadeiro El Niño da mediocridade. Entre as várias soluções propostas, parece que se vai recrutar o exército para andar com camiões tanque de gasolina e abastecer supermercados. Talvez mesmo qualquer dia nos habituemos a ver paradas militares com veteranos a envergarem, orgulhosos, condecorações ao peito “Cruz de Vitória Abastecimento Secção de Frios do Lidl de Liverpool 2021”. Quem diria que eleger pessoas que se manifestam abertamente contra a opinião dos peritos, têm políticas económicas baseadas, literalmente, à volta do conceito “fuck business” e demoram décadas para estabelecer de quantos filhos são progenitores, seriam completamente incapazes de liderar um país por um período de transição completamente volátil durante uma pandemia? Eating or heating? Aquecer o corpo ou ter comida para aquecer? Esta vai ser a questão com que muitos britânicos se vão debater este Inverno.