É urgente desmascarar os miúdos
Os nossos sorrisos não são um pormenor, e as máscaras deixaram claro que aquela ideia de que os olhos “falam” tão bem como a boca é coisa mais para a poesia do que para a realidade.
Querida Mãe,
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Querida Mãe,
Hoje estive a brincar com o mini E. num parque perto de um liceu. Já quando era miúda era um jardim cheio de adolescentes. Dantes chocava-me estarem a fumar, mas desta vez chocou-me vê-los todos de máscara. Não tenho nada contra as máscaras, sei que foram necessárias. E, sinceramente, hoje nem quero falar sobre as medidas certas ou erradas da DGS, porque o que me preocupa foi o medo com que estes miúdos ficaram. E com que estão. Sabemos que a maioria está já vacinada e, no entanto, estão ao ar livre de máscara — e quando lhes pergunto porquê, dizem-me que continuam cheios de medo.
Por mais que custe aos pais, ter filhos adolescentes envolve a expectativa de “rebeldia”, mesmo que seja inocente. Mas parecem assustados demais para rebeldias, e mesmo quando a lei já lhes permite andar sem máscara ao ar livre, eles mantêm-na. Não quero generalizar, mas pôs-me a pensar na chucha. Somos nós, os adultos, que impomos a chucha aos nossos filhos. Vamos buscá-la quando eles estão assustados e nervosos — quando as lágrimas começam a cair dizemos, com uma voz apaziguadora, “toma a tua chucha”. E, depois, ficamos enervados porque não a largam.
A comparação pode parecer estranha, mas a verdade é que lhes dissemos insistentemente que “iam matar alguém” ou que “podiam morrer”, que se não usassem a máscara “não podiam estar com os amigos”, e insultámos constantemente a sua capacidade de serem responsáveis, e eles, coitados, quiseram provar-nos que nos enganávamos.
Por isso, agora, não basta mudar a legislação (embora espero que as hesitações da DGS não se alonguem e que libertem rapidamente as crianças de usar máscaras no recreio!), é preciso conversar com os miúdos, ajudando-os a entender que a máscara teve o seu papel, e que em certas situações pode continuar a ter, mas que a podem largar. Temos de lhes transmitir a confiança nas vacinas, e com calma — ou não estivéssemos também nós ainda hesitantes — voltar à normalidade.
O que não podemos fazer é normalizar de tal forma as máscaras, que nos esqueçamos dos seus “efeitos secundários”. Aceitá-la serenamente quando representa um mal menor, mas sempre com a consciência de que é fundamental voltar a deixar as crianças, os adultos, e os adolescentes mostrar o sorriso.
Ana,
Os nossos sorrisos não são um pormenor, e as máscaras deixaram claro que aquela ideia de que os olhos “falam” tão bem como a boca é coisa mais para a poesia do que para a realidade. Estamos programados, há milhões de anos, para ler as expressões dos outros e precisamos da informação da cara toda para “ligar” botões como os da empatia, para compreender melhor o que outro não diz por palavras. Por isso, sim, é urgente desmascarar os miúdos, a evidência científica permite já fazê-lo no exterior, e venha aí depressa o 1.º de Outubro para nos libertar desta espécie de venda.
Mas a tua comparação com a chucha é um insight brilhante, porque fica claro que o mecanismo de fundo pode ser o mesmo: a máscara, que lhes oferecemos para nos sossegar a todos, transformou-se de alguma forma num amuleto. Num escudo. E cabe-nos a nós — como acontece com a chucha —, ajudá-los a separarem-se dela, ouvindo e respeitando os seus medos (os ataques de ansiedade e de pânico são tão válidos como uma outra dor ou doença qualquer), e dando-lhes a informação científica de que precisam para substituir mitos por factos. E, Ana, essa é uma das funções primordiais da escola: ensinar a pensar e a distinguir o trigo do joio, a procurar a informação nos sites confiáveis e não nas fake news, nem nas redes sociais.
Quanto a lhe termos implantado a ideia de que “podiam matar” alguém, é assunto para uma nova carta — e para uma birra gigante. Fica para breve.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.