Subida dos preços do gás natural lança nuvens sobre o Inverno europeu
Governos avançam com medidas para reduzir impacto da subida de preços nos orçamentos das famílias e empresas e pedem acção concertada da União Europeia para resolver o problema.
O Outono ainda mal começou, mas já estão instalados os receios de um Inverno particularmente duro nas carteiras dos europeus. Apesar de a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, ter reforçado na semana passada a mensagem de que Bruxelas não vai tirar nenhum “coelho da cartola” para ajudar os Estados-membros a resolver a crise de preços do gás natural e a sua contaminação aos preços da electricidade, continuam a chegar apelos para um esforço conjunto.
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O Outono ainda mal começou, mas já estão instalados os receios de um Inverno particularmente duro nas carteiras dos europeus. Apesar de a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, ter reforçado na semana passada a mensagem de que Bruxelas não vai tirar nenhum “coelho da cartola” para ajudar os Estados-membros a resolver a crise de preços do gás natural e a sua contaminação aos preços da electricidade, continuam a chegar apelos para um esforço conjunto.
Ainda na sexta-feira, o governo liderado por Mario Draghi, anunciou que vai suspender encargos fixos nas facturas de electricidade e gás natural até Dezembro, para aliviar a pressão sentida pelas famílias e empresas italianas, e voltou a pedir uma acção conjunta da Europa para “diversificar o abastecimento energético e reforçar o poder contratual dos [países] compradores”.
Dias antes, também o governo espanhol havia defendido junto de Bruxelas a necessidade de criação de uma plataforma europeia para facilitar a compra de gás natural (à semelhança do que aconteceu, por exemplo, com as vacinas da covid-19), de modo a criar reservas estratégicas que protejam os Estados-membros das grandes flutuações de mercado e dos comportamentos estratégicos dos produtores, que procuram maximizar os lucros com o aumento da procura e usam os preços como arma de pressão política.
Citado pelo Euractiv, Draghi explicou que as tarifas sociais de electricidade e gás natural também serão reforçadas e que o valor do pacote de ajudas imediatas, em torno de três mil milhões de euros, não impedirá o executivo italiano de “desenhar estratégias de largo prazo para reduzir as vulnerabilidades” do país, nomeadamente a grande dependência das importações de gás.
Os preços do gás natural, que estão actualmente na casa dos 70 euros por megawatt hora, com subidas na ordem dos 250% este ano, são o principal motivo apontado para esta escalada imparável de preços da energia que faz pairar a sombra de meses difíceis para famílias e empresas por toda a Europa.
“Sem a intervenção do governo, no próximo trimestre, os preços da electricidade poderiam subir cerca de 40% e os do gás cerca de 30%”, disse o líder italiano, num encontro com a patronal Confindustria.
É precisamente este tipo de intervenções, que já hoje estão previstas no quadro regulamentar europeu, que Bruxelas quer ver postas em prática pelos Estados-membros. Ainda que tenha reconhecido (como pediu, por exemplo, o executivo espanhol), que será necessário sistematizar o tipo de medidas ao alcance dos Estados-membros dentro das baias da legislação europeia, a Comissão Europeia sustenta que o problema não está no desenho do mercado interno da energia e que desse lado não virão novidades.
"Caixa de ferramentas"
É com a promessa de publicar “nas próximas semanas” uma “caixa de ferramentas” orientativa para os Estados-membros que a Comissão se prepara para abordar, para já, o problema da subida de preços. Sem abrir muito o jogo, a comissária referiu que os Estados-membros podem aliviar impostos ou apoiar os consumidores, em particular os mais vulneráveis, e as empresas.
Fora de questão está – como já tinha sido transmitido ao governo espanhol, em Agosto – uma alteração do funcionamento do mercado interno de electricidade e, em particular, do modelo de fixação de preços grossistas.
Na Europa, o mercado de electricidade é um mercado horário, em que os preços variam hora a hora, sendo que a última tecnologia que entra para suprir a procura nessa hora é aquela que define o preço.
O gás natural é a tecnologia mais cara e aquela que tem empurrado os valores para os níveis mais elevados de há uma década (inflacionando mesmo os preços de outras tecnologias, como a hídrica) – com o mercado ibérico no pódio e a bater recordes consecutivamente, com preços que são o triplo da média dos últimos anos.
E olhando para os contratos futuros do gás, não serão de esperar alívios até Abril de 2022, pelo que o contágio aos preços da electricidade vai continuar (o contrato para o quarto trimestre no mercado de futuros do mercado ibérico de electricidade ronda hoje os 169 euros por MWh).
O problema não é o desenho do mercado, defende a Comissão, mas sim a conjugação de factores que causaram a tempestade perfeita, nomeadamente o aumento da procura de gás motivado pela reactivação das economias no pós-covid, com destaque para as asiáticas, acompanhado pelos baixos níveis de armazenamento e pelo encarecimento das licenças de emissão de carbono no mercado europeu (em torno dos 60 euros por tonelada), que são outro factor que agrava o custo da produção de electricidade das centrais térmicas (gás e carvão).
Recados a Moscovo
E contra isso só há uma solução de longo prazo, defende a Comissão: investimento em renováveis e em medidas de eficiência energética, que contribuam para baixar custos de produção e para a redução de consumos e, em última análise, para uma menor dependência energética da União Europeia (UE) face aos produtores de gás, e em particular à Rússia. A estatal russa Gazprom tem sido acusada de contribuir para a escassez desta fonte de energia na Europa, inflacionando os preços e, segundo a Bloomberg, 40 eurodeputados pediram à Comissão Europeia que investigasse o papel que a empresa teve nesta crise.
Também a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) veio na semana passada lançar recados a Moscovo, salientando que “esta é a oportunidade da Rússia de comprovar que é um fornecedor de confiança para o mercado europeu”.
Salientando que as reservas de gás europeias estão abaixo da média dos últimos cinco anos, a Agência referiu, em comunicado, que “com base na informação disponível, a Rússia tem cumprido os seus contratos de aprovisionamento de longo prazo com os parceiros europeus”, mas no que toca às exportações fora desses contratos, estas “estão abaixo dos níveis de 2019”.
“A IEA acredita que a Rússia pode fazer mais para aumentar a disponibilidade de gás na Europa e assegurar que os reservatórios estarão em níveis adequados para preparar as necessidades de aquecimento no Inverno”, lê-se no comunicado publicado no site da instituição.
O futuro não é tranquilizador: “o mercado europeu do gás poderá enfrentar mais testes de stress com episódios inesperados de escassez e picos de frio, especialmente se ocorrerem já no final do Inverno”, avisa a IEA.
O director executivo da Agência, Fatih Birol, criticou ainda quem tem apontado responsabilidades pela subida de preços aos processos de descarbonização: “Resultam da combinação de múltiplos factores e é incorrecto e falacioso atribuir responsabilidades à transição para as energias limpas”.
Ainda assim, o responsável da IEA diz que a situação actual “é um lembrete para os governos europeus” da importância de assegurar fontes de energia limpas e acessíveis para todos, “especialmente para os mais vulneráveis”.
À espera do “choque"
Enquanto as renováveis não chegam para abastecer toda a procura, os ecos de preocupação com a subida de preços vão-se fazendo ouvir na Europa.
Na Irlanda, onde a produção de electricidade ainda depende muito do gás natural, os consumidores do mercado liberalizado já enfrentam subidas nos tarifários em mercado na casa dos dois dígitos, segundo relata a imprensa local. “Como o Verão foi particularmente bom, as pessoas não estão a pensar nas contas de energia”, mas quando virem chegar as facturas de gás e electricidade, em Dezembro, Janeiro e Fevereiro, “vai ser um grande choque”, comentou um analista ao site The Journal.
Em França, o Le Figaro também dá conta do agravamento de preços, noticiando que os maiores comercializadores de energia reviram já em alta de 4% os seus tarifários básicos de electricidade. De França veio também o anúncio, há cerca de uma semana, que os 5,8 milhões de agregados familiares beneficiários do “cheque energia”, irão receber um apoio excepcional de 100 euros, que lhes será automaticamente enviado em Dezembro, mas essa ajuda não vai chegar à classe média.
Por cá, o Governo anunciou nos últimos dias um pacote de medidas que, entre transferências de verbas para o sistema eléctrico e remoção de outros encargos das tarifas, num total combinado de 815 milhões de euros, garantirão que não haverá aumento de preço da electricidade para os consumidores domésticos do mercado regulado em 2022 e haverá uma redução de pelo menos 30% na tarifa de acesso às redes para os industriais (a proposta tarifária da entidade reguladora para o próximo ano será conhecida a 15 de Outubro).
A expectativa do Governo é que os comercializadores do mercado liberalizado, onde estão 80% dos consumidores, também não subam preços em Janeiro.
De Espanha, entre as várias medidas temporárias anunciadas recentemente pelo governo de Pedro Sánchez estão um corte de 2600 milhões de euros àquilo que se considera serem os lucros excessivos que os produtores de tecnologias que não pagam carbono, como a hídrica e o nuclear, estão a obter com esta escalada de preços.
Além disso, o executivo espanhol reduziu o imposto especial sobre o consumo de electricidade de 5,1% para 0,5%, suspendeu até ao final do ano a taxa de 7% sobre a produção eléctrica e baixou o IVA da electricidade para famílias e PME de 21% para 10%.
Também vai transferir mais 900 milhões de euros da contribuição das receitas dos leilões de CO2 para cobrir os custos do sistema eléctrico, num total de 2000 milhões.