Tunisinos saem à rua para denunciar “regresso à ditadura de Ben Ali”
“Constituição, liberdade e dignidade nacional”, gritou-se nas ruas de Tunes, dias depois de o Presidente ter começado a governar oficialmente por decreto. Democratização em risco no único caso de sucesso das Primaveras Árabes.
A semana em que o Presidente da Tunísia, Kais Saied, passou a governar por decreto, com amplos poderes em todas as áreas fundamentais da política do país, terminou com uma manifestação no centro da capital em que cerca de dois mil tunisinos denunciaram “o poder nas mãos de um só homem”. Dez anos depois da revolução que deu início às chamadas Primaveras Árabes e pôs fim à ditadura de Ben Ali, muitos temem perder os progressos alcançados a custo.
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A semana em que o Presidente da Tunísia, Kais Saied, passou a governar por decreto, com amplos poderes em todas as áreas fundamentais da política do país, terminou com uma manifestação no centro da capital em que cerca de dois mil tunisinos denunciaram “o poder nas mãos de um só homem”. Dez anos depois da revolução que deu início às chamadas Primaveras Árabes e pôs fim à ditadura de Ben Ali, muitos temem perder os progressos alcançados a custo.
Nade, 27 anos, agente administrativa, calças de ganga e chapéu de palha, saiu à rua em Tunes com a mãe Leïla, com o cabelo coberto por um hijab, para se manifestar “contra as decisões do Presidente que bloqueiam a democracia”. “Já não existe Parlamento, ele mudou as leis, todo o poder está nas mãos de um homem”, criticou, ouvida pela AFP.
“Estamos a voltar aos tempos de Ben Ali [1987-2011], a uma ditadura”, afirma Nade, antes de gritar um dos slogans mais repetidos: “Constituição, liberdade e dignidade nacional”. “Graças à revolução de 2011, a Tunísia finalmente teve direitos” que Nade agora “não quer perder”.
Dois meses depois de ter demitido o primeiro-ministro e suspendido o Parlamento, assumindo o poder executivo, Saied fez publicar uma série de decretos que lhe dão poder para legislar sozinho em 30 áreas, incluindo “a organização da justiça e da magistratura”, “a organização da informação, a imprensa e a publicação”, “a organização dos partidos políticos, sindicatos, associações” ou do Exército. Os tunisinos ficaram ainda a saber na quarta-feira que o Presidente vai preparar reformas políticas com o auxílio de uma comissão que o próprio vai criar por decreto.
O líder do partido islâmico moderado Ennahdha, e presidente do Parlamento dissolvido, Rached Ghannouchi, considerou que estas alterações significam o cancelamento da Constituição em vigor desde 2014, afirmando que não vai aceitar mais este retrocesso na transição da Tunísia para a democracia.
Depois do Ennahdha, os partidos Attayar, Al-Jouhmouri, Akef e Ettakatol declararam em comunicado conjunto que “o Presidente perdeu sua legitimidade ao violar a Constituição”, avisando-o que “será responsável por todas as possíveis repercussões desta perigosa medida”. Apesar de não terem grande peso eleitoral, estas formações têm influência nas ruas, principalmente o Attayar, que era próximo de Saied antes de este dissolver o Parlamento e declarar uma “emergência nacional”.
Em editorial, o jornal francês Le Monde lamenta a “tentação autocrata de Saied” e estima que os seus actos “não são apenas desastrosos para a herança democrática da Tunísia”, mas também “para o conjunto do mundo árabe, onde o ‘modelo tunisino’ brilhou como um raio de esperança entre a escuridão de ditaduras e guerras civis”.