Congresso trabalhista é prova de fogo para Starmer mostrar que pode unir o partido

Reunião anual do Labour surge numa altura de divisões internas e de dúvidas generalizadas sobre a estratégia do sucessor de Corbyn para recentrar o maior partido da oposição britânico e desafiar os conservadores.

Foto
Keir Starmer substituiu Jeremy Corbyn na liderança do Labour em Abril do ano passado NEIL HALL/EPA

O Partido Trabalhista britânico dá este sábado o pontapé de saída no seu congresso anual, em Brighton, no Sul de Inglaterra, num dos momentos mais difíceis da sua existência enquanto aspirante ao poder no Reino Unido. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Partido Trabalhista britânico dá este sábado o pontapé de saída no seu congresso anual, em Brighton, no Sul de Inglaterra, num dos momentos mais difíceis da sua existência enquanto aspirante ao poder no Reino Unido. 

Dezoito meses depois de ter sido eleito sucessor de Jeremy Corbyn, na sequência da pior derrota do Labour em eleições legislativas desde 1935, Keir Starmer não tem outra opção senão a de encarar a cimeira dos próximos cinco dias como um teste de fogo à sua capacidade para unir as várias facções do partido e para provar aos militantes – e, sobretudo, aos eleitores – que é o homem certo para desafiar Boris Johnson e o Governo conservador.

“Devemos recordar o partido que não vencemos uma eleição nacional há 16 anos. Perdemos as últimas quatro e a de 2019 foi uma catástrofe. Eis as últimas 11 legislativas: derrota, derrota, derrota, derrota, Blair, Blair, Blair, derrota, derrota, derrota e derrota”, elencava, tristemente, Peter Mandelson, ex-ministro nos Governos de Tony Blair e de Gordon Brown, reagindo ao fraco desempenho dos trabalhistas nas eleições locais de Maio.

Os obstáculos são muitos – uma “montanha por escalar”, nas palavras do próprio Starmer. Para além de só ter tido oito vitórias em 28 eleições legislativas desde 1918, o Labour está a perder terreno para o Partido Conservador nos antigos bastiões da classe operária inglesa, particularmente no Centro e no Norte de Inglaterra, uma tendência iniciada com o referendo do “Brexit”, em 2016, prosseguida nas legislativas de 2019 e confirmada nas locais e municipais deste ano.

“Perdemos a confiança da classe trabalhadora”, assumiu recentemente o líder trabalhista que, apesar do desgaste que a gestão da pandemia e que as denúncias de lobbying, favorecimentos e desvio de dinheiros públicos causaram no primeiro-ministro, continua sem capacidade para colocar os trabalhistas à frente dos tories nas intenções de voto

Por outro lado, a estratégia de recentrar o Partido Trabalhista, piscando o olho aos eleitores moderados que não se revêem na deriva do Partido Conservador para a direita, tem enfurecido a sua ala esquerda e, particularmente, os apoiantes de Corbyn, com destaque para os do importante universo sindical – que também não perdoam a direcção de Starmer por ter expulsado o antigo líder do grupo parlamentar na Câmara dos Comuns, por causa das denúncias de anti-semitismo que lhe foram dirigidas num relatório independente.

Num longo ensaio divulgado na quinta-feira, intitulado The Road Ahead, Starmer fez questão de se demarcar dos planos de nacionalização de vários sectores da economia britânica prometidos no programa eleitoral trabalhista de 2019, catalogado por Corbyn como “o mais radical e ambicioso plano das últimas décadas” no país.

“A minha visão para o Reino Unido é torná-lo no melhor lugar para se fazerem negócios, porque tem um Governo que trabalha em parceria com o sector privado. O papel do Governo é ser parceiro para a iniciativa privada, em vez de a asfixiar”, escreveu o líder trabalhista.

Emprego, habitação e novas regras

Com tantos cacos para apanhar, Keir Starmer quer aproveitar o congresso de Brighton – o seu primeiro de forma presencial enquanto líder, em virtude da pandemia – para apresentar algumas propostas ambiciosas de recuperação pós-pandemia aos militantes.

Entre elas destaca-se o “New Deal para as classes trabalhadoras”, uma proposta que inclui medidas como o aumento do salário mínimo e da remuneração por baixa médica, mais direitos e maior protecção para os trabalhadores logo a partir do primeiro dia de emprego ou a eliminação dos contratos com isenção de horário.

Uma outra proposta que pretende angariar apoios nas bases trabalhistas é a do estabelecimento, por um lado, de um limite na venda de novas habitações a investidores estrangeiros e da atribuição, por outro, de um direito exclusivo de seis meses sobre as propriedades acabadas de construir para quem quer comprar casa pela primeira vez.

A proposta que está, no entanto, a atrair mais atenção – e não é pelos melhores motivos – é a da reforma do processo de eleição da liderança do partido e dos candidatos a deputados. Starmer quer regressar a um modelo de “colégio eleitoral”, mas isso implica restringir a importância do voto dos militantes de base na escolha dos dirigentes de topo do partido.

Introduzido pelo ex-líder Ed Miliband, o actual modelo implica um processo de vários meses que conta com a participação dos mais de 500 mil militantes trabalhistas, bem como dos sindicatos e das organizações afiliadas ao Labour. 

A eleição de Corbyn, em 2015, por exemplo, só foi possível por causa desse modelo. Por isso mesmo, Starmer arrisca abrir mais uma frente de batalha com os corbynistas se decidir apresentar a sua reforma no congresso.