Projecto Km0: E se no Alentejo comêssemos mais produtos alentejanos?
Lançada pela Universidade de Évora, a iniciativa Km0 visa certificar produtores, lojas e restaurantes que trabalhem com produtos que não viajem mais do que 50 quilómetros.
Que os restaurantes de uma região utilizassem preferencialmente produtos dessa região seria, em princípio, o mais lógico e intuitivo. Não é, contudo, isso que acontece na maioria dos casos. Promovendo a “gestão sustentável dos recursos energéticos”, estimulando a produção local, valorizando o agricultor e preservando a biodiversidade, o projecto Km0, lançado em Évora, tenta contrariar este estado de coisas.
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Que os restaurantes de uma região utilizassem preferencialmente produtos dessa região seria, em princípio, o mais lógico e intuitivo. Não é, contudo, isso que acontece na maioria dos casos. Promovendo a “gestão sustentável dos recursos energéticos”, estimulando a produção local, valorizando o agricultor e preservando a biodiversidade, o projecto Km0, lançado em Évora, tenta contrariar este estado de coisas.
No dia 17 de Setembro, oito cozinheiros juntaram-se, com a coordenação do chef Luís Baena, para servir, no antigo refeitório da Universidade de Évora, um jantar com mais de trinta pratos, mostrando tudo o que é possível fazer com produtos que não distam mais de 50 quilómetros daquela cidade. Filipe Ramalho, do Páteo Real em Alter do Chão, trouxe, por exemplo, um “niguiri alentejano” com migas de batata-doce e “sashimi” de toucinho de porco preto; Filipe Rebocho e João Narigueta, do Híbrido, em Évora, trabalharam uma variedade antiga de cebola roxa de Montemor numa tarte; Joaquim Saragga Leal da Taberna de Santo Humberto, também em Évora, apresentou uma deliciosa sopa da pedra.
Do Narcisus Fernandessi, em Vila Viçosa, veio o chef Pedro Mendes que, entre outras coisas, serviu uma cabeça de xara com vinagrete de uvada e beldroegas e um gaspacho com tosta de bolota e poejo; Vasco Ferreira, do Ecork Hotel (Évora), fez profiteroles de abóbora hokkaido com requeijão e manjericão. E Ricardo Elvas, do Vauban (restaurante/escola hoteleira de Évora), trouxe um pastel de massa tenra de frango do campo com maionese de cebola roxa, enquanto a sua colega, a chef pasteleira Susana Nonato, criou quatro sobremesas usando ingredientes tão distintos como bolota do montado, requeijão, abóbora, figos da Índia, framboesas e calêndula.
Provou-se que produto de qualidade não falta, mas Teresa Pinto Correia, professora na Universidade de Évora e uma das responsáveis pelo projecto Km0, está consciente do longo caminho que ainda é necessário percorrer para conciliar as necessidades de produtores e chefs de cozinha. Muitas vezes os primeiros têm uma escala tão pequena que a logística de entrega dos produtos é complicada e não produzem mais por receio de não conseguirem escoar; quanto aos segundos, queixam-se de alguma falta de consistência nas entregas e na qualidade dos produtos, o que torna mais difícil o trabalho nas cozinhas. O Km0, iniciativa do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora, pretende ajudar a criar pontes. Depois de um primeiro lançamento em 2017, a partir de Montemor-o-Novo, há agora a necessidade de dar um novo impulso ao projecto – daí o jantar com os chefs e a aposta em Évora.
Para já, foi implementado um processo de certificação, quer para produtos quer para indústrias transformadoras, lojas e restaurantes que nas suas cartas incluam pelo menos um menu (entrada, sopa, prato e sobremesa) feito exclusivamente com produtos Km0. E existe um site onde todos os operadores estão georreferenciados, com os respectivos contactos e listas de produtos disponíveis.
Uma das questões levantada por alguns dos produtores que estiveram no evento foi precisamente a do custo da certificação por uma entidade externa. É, para os clientes, uma garantia de que o princípio do Km0 é realmente respeitado (há excepções para o leite ou a farinha, por exemplo, aos quais se exige apenas que sejam do Alentejo, sem limite de quilómetros). Mas será isso já suficientemente valorizado para justificar o custo a pagar?
Por enquanto, sublinha Teresa Pinto Correia, estão a ser dados os primeiros passos. O objectivo neste momento é criar redes de contactos e conseguir financiamento para que a iniciativa seja sustentável. Évora é apenas o início de uma ideia que, esperam, possa alargar-se ao resto do Alentejo. Para já, quem quiser conhecer melhor o projecto, pode fazê-lo em www.km0alentejo.pt.