CIP diz que “choques” na energia e matérias-primas comprometem retoma

Apenas 21% das empresas diz ter regressado aos níveis pré-pandemia. Faltam cereais à indústria alimentar, outros sectores desesperam por papel e cartão ou semicondutores.

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Mário Cruz/Lusa

A recuperação da actividade económica é “praticamente total”, diz a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), com base no mais recente inquérito às empresas, mas apenas um quinto dos inquiridos já regressou aos níveis pré-pandemia e, pior, os preços altos na energia bem como a escassez de muitas matérias-primas ameaçam comprometer a retoma.

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A recuperação da actividade económica é “praticamente total”, diz a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), com base no mais recente inquérito às empresas, mas apenas um quinto dos inquiridos já regressou aos níveis pré-pandemia e, pior, os preços altos na energia bem como a escassez de muitas matérias-primas ameaçam comprometer a retoma.

O alerta é feito pelo vice-presidente da CIP, Óscar Gaspar, que fala mesmo em “choques inesperados” para as empresas e consumidores, que enfrentam outra eventual “ameaça” com o fim do prazo das moratórias sobre o crédito bancário, a 30 de Setembro.

“É positivo que 95% das empresas já estejam em pleno funcionamento. Temos a economia novamente a funcionar, estamos muito longe dos 60% de empresas em pleno funcionamento que se registava no final do primeiro semestre de 2020”, salienta este responsável da maior confederação patronal do país. Porém, há “um dado totalmente novo” que trava qualquer onda de optimismo que poderia surgir por causa do “segundo aspecto positivo” revelado pelo estudo, que é o facto de já haver “mais empresas a sentir a retoma”. “Finalmente, passado ano e meio, a economia está a mexer-se [apenas 1% dos inquiridos são empresas que continuam encerradas]”, observa Gaspar, mas o problema é que “ao sair da pandemia, enfrentamos choques inesperados como o aumento dos preços da electricidade e do gás natural”, assim como “a escassez de matérias-primas” em diversos sectores.

Isto são factores de risco e de “preocupação” para a economia nacional, observa este representante da CIP, garantindo que têm sido referidos por diversos empresários nos contactos que a direcção da CIP mantém diariamente. 

“Há uma multiplicidade de sectores afectados. Sabemos que o cluster automóvel tem vindo a ser bastante penalizado com a falta de semicondutores. A falta de cereais afecta a nossa indústria alimentar, sabemos que falta papel e cartão noutros sectores”, exemplifica Óscar Gaspar, destacando também problemas no transporte e logística, como a falta de contentores ou o seu “preço proibitivo”. “Temos muitos casos em que as matérias-primas aumentaram 40%, como nos sectores da construção civil ou metalurgia”, enumera. 

São “questões fulcrais para manter a actividade”, sublinha a CIP, em especial num país periférico onde estes choques “podem pôr em causa sectores que são competitivos” e num cenário de retoma assimétrica em que, como foi reconhecido pela própria Comissão Europeia, há países em que a recuperação económica está a ser mais célere e robusta do que em Portugal.

Sobre a factura energética, Gaspar diz que o Estado tem margem para “amortecer” o aumento dos preços, lembrando a proposta já feita “há mais de um mês” pela CIP sugerindo a utilização de 270 milhões de euros do Fundo Ambiental para reduzir os gastos. 

Outro problema premente, não reflectido nos resultados do inquérito, é o fim da suspensão dos pagamentos à banca prevista nas moratórias. O prazo termina a 30 de Setembro e, segundo a CIP, é “preocupante” que “a dez dias do fim do prazo não haja um modelo de transição definido”.

"A CIP atempadamente chamou a atenção, este é um problema de Portugal, já que outros países foram resolvendo as questões com políticas de base orçamental, ao contrário de Portugal, onde se apostou até no reforço das moratórias”, sublinha.

O inquérito feito a 350 empresas, com uma enorme sobrevalorização de empresas de grande dimensão na amostra, sugere que mesmo entre os inquiridos há uma recuperação bastante assimétrica e reduzida em termos sectoriais e regionais. Apenas 21% dos respondentes disseram que já tinham conseguido regressar aos níveis pré-pandemia. A maioria aponta para uma recuperação plena somente em 2022. Apesar disso, 92% dos inquiridos garantem que vão manter o quadro de pessoal ou até reforçá-lo.

Uma aposta que não resulta do Plano de Recuperação e Resiliência, diz Gaspar, até porque apenas 12% dos empresários inquiridos acreditam que o negócio sentirá algum impacto significativo do extraordinário apoio financeiro proveniente da chamada “bazuca”, idealizado por Bruxelas para ajudar as economias europeias a recuperarem das consequências da pandemia.

“Fica claro neste inquérito que 60% dizem que o PRR, criado para recuperar e transformar as economias, não lhes diz respeito. Sabemos que 56% da componente da resiliência já foi contratualizada; que 23% da transição climática também já foi contratualizada; que 42% da transição digital já foi contratualizada. Mas quem contratualizou? Zero empresas. O que vemos é que há uma contratualização com as entidades públicas. Esta é uma questão da máxima importância”, conclui.