Trocar o velho enxoval por um enxoval emancipador
O percurso “As Bravas” vai dar à instalação a “Arca”, que abre este domingo, às 16h, na Galeria Ars Longa Vita Brevis, no Porto. Uma estreia do Mexe - Encontro Internacional de Arte e Comunidade
Cada uma trouxe um cartaz para pendurar numa parede da Galeria Ars Longa Vita Brevis, no Porto. “Somos mulheres livres”. “Luta como uma rapariga”. “Não à violência”. “Que a minha semente cresça num mundo de pluralidade e de liberdade.”
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Cada uma trouxe um cartaz para pendurar numa parede da Galeria Ars Longa Vita Brevis, no Porto. “Somos mulheres livres”. “Luta como uma rapariga”. “Não à violência”. “Que a minha semente cresça num mundo de pluralidade e de liberdade.”
A instalação imersiva chama-se “Arca”. Faz parte do projecto Enxoval – Tempo e Espaço de Resistência, financiado pela iniciativa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian, no qual a Pele explora temas de igualdade de género através das práticas artísticas, envolvendo grupos comunitários do Porto e Amarante.
A ideia não é reproduzir o enxoval clássico, com têxteis de cama, mesa e banho, rito de passagem da rapariga obediente ao pai para a mulher obediente ao marido. É construir um novo, emancipador, com todos os grupos do projecto. Com, por exemplo, uma capa de passaporte, uma carta de condução, um livro sobre direitos das mulheres, uma embalagem de pílulas contraceptivas, um penso higiénico, um megafone, um lenço da greve feminista de 8 de Março.
A esta instalação sonora e visual, patente de 19 de Setembro a dia 3 de Outubro, este domingo alia-se um percurso sonoro e performativo intitulado “As Bravas”. Outro resultado do mesmo projecto dirigido por Inês Lapa e Maria João Mota, que desta vez junta Janne Schröder, Paulo Pimenta, Alexandra Real, Sandra Neves.
Trabalharam com cinco grupos a partir de um manifesto que desenvolveram para o último 8 de Março. E delinearam um percurso, que é alimentado por frases desse texto, registos de ensaios, histórias resultantes de muitas horas de conversa.
A efémera ocupação do espaço começa na Travessa da Formiga com uma performance sobre a carga mental, o trabalho invisível de gestão e planeamento doméstico. Passa pelo Jardim das Águas, pelo busto de Virgínia Moura. Detém-se na estação de metro 24 de Agosto. Sobe a Avenida Fernão de Magalhães. Entra na Rua dos Abraços, onde Gisberta Salce Júnior foi morta por um grupo de rapazes. E termina no Jardim Paulo Vallada, conhecido como Jardim das Pedras.
Além da já referida carga mental, abordam o assédio no espaço público, a violência doméstica, a falta de representatividade/participação política/cívica feminina, a transfobia. E terminam com uma manifestação juvenil e colorida a convocar todos. “Continuaremos juntas na luta para sermos livres e iguais.”
O projecto cruza o rural e o urbano, a muita e a pouca idade. O grupo mais idoso é formado por mulheres dos centros de convívio de Vila Chã do Marão e Olo, em Amarante. “Com estes grupos fomos fazendo um trabalho de partilha de histórias, fomos recolhendo todo este património imaterial mais focado no feminino”, esclarece Maria João Mota. “Os conselhos, as mezinhas, as cantigas, o que é isto de ser mulher.”
Estão camufladas no percurso. E nas fotografias de Paulo Pimenta, que podem ser vistas na Arca. “Trabalhamos com elas o que é ser uma mulher brava, bater o pé, dizer que não quando é importante dizer que não”, conta. Pediram-lhes que escolhessem um sítio onde se sentem fortes. Têm 80 ou 90 anos, mas mantêm-se autónomas, plantam as suas hortas, levantam-se cedo para regar. Sublinhando essa ligação à natureza, foi criado um manto de plantas, que foi sendo acrescentado por elas. O resultado é uma imagem onírica.
“Tentamos pôr estas mulheres, as bravas, numa posição de máxima importância, dar-lhes o real valor”, diz Paulo Pimenta. “São pessoas que tiveram uma vida dura, que passaram a vida a lutar e que ainda estão na luta. É uma coisa que tem que ver não só com o passado, mas também com o presente.”
Muitas foram fotografadas de madrugada, acompanhando o seu ritmo e aproveitando a beleza da luz. “Foram representadas no sítio que queriam – no sítio por onde passam, no sítio onde lavam a roupa, no sítio onde fazem a comida. Sempre super seguras de si próprias perante o mundo.”
Começou em 2019 esta ideia de celebrar mulheres, de criar espaços de partilha. Houve uma open call nas redes sociais: quem quisesse poderia contar a história de uma mulher inspiradora na sua vida, num pequeno texto ou numa gravação curta. A ilustradora Clara Não começou a fazer pequenas fanzines.
A pandemia interrompeu o trabalho presencial. Começaram um trabalho à distância, que atraiu mais gente. O projecto recentrou-se ficando mais focado no manifesto. E é um dos pontos altos do Mexe - Encontro Internacional de Arte e Comunidade, que arrancou este sábado e se estende até dia 3 de Outubro.