Vamos falar de (e com) sobreviventes de suicídio

Em média, por dia, suicidam-se três pessoas em Portugal. No mundo, uma pessoa a cada 40 segundos. E por cada um destes suicídios ficam entre seis a 10 sobreviventes a lidar com esta perda e com este luto tão igual na sua dor, mas tão específico nas suas circunstâncias.

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Martino Pietropoli/Unsplash

Hoje, 10 de Setembro, assinala-se o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Em 2020, escrevia sobre a importância de falar sobre o suicídio como forma de prevenção. Hoje escrevo sobre a pósvenção do suicídio, sobre o cuidado àqueles que ficam, os designados sobreviventes de suicídio. Em média, suicidam-se três pessoas em Portugal por dia. No mundo, uma pessoa a cada 40 segundos. E por cada um destes suicídios ficam entre seis a 10 sobreviventes a lidar com esta perda e com este luto tão igual na sua dor, mas tão específico nas suas circunstâncias.

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Hoje, 10 de Setembro, assinala-se o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Em 2020, escrevia sobre a importância de falar sobre o suicídio como forma de prevenção. Hoje escrevo sobre a pósvenção do suicídio, sobre o cuidado àqueles que ficam, os designados sobreviventes de suicídio. Em média, suicidam-se três pessoas em Portugal por dia. No mundo, uma pessoa a cada 40 segundos. E por cada um destes suicídios ficam entre seis a 10 sobreviventes a lidar com esta perda e com este luto tão igual na sua dor, mas tão específico nas suas circunstâncias.

Ontem conheci quatro destas sobreviventes de suicídio. Duas mães que perderam os filhos, uma irmã e uma filha que, como eu, ficou sem o pai. Somos pessoas muito diferentes, em personalidades e experiências de vida, ligadas por um único ponto em comum que, pela sua intensidade, nos torna próximas na vivência deste fenómeno tão multidisciplinar que é o suicídio. Todas concordamos nos principais desafios. A culpa. A aceitação (ou não!) dos porquês que nunca serão respondidos e a repetição constante de cenários, a tentar responder a esses porquês. A frustração. O silêncio solitário vindo do constrangimento em falar da morte e da vida de quem se suicida. A vergonha pelos olhares e sussurros, numa surdina que se torna demasiado audível, dos juízos de valor, da convicção alheia de que tínhamos a capacidade e a obrigação de salvar os nossos.

E, no entanto, esta conversa, promovida pela Associação Sobre Viver Depois do Suicídio, mais do que sobre morte, foi sobre vida. Todas estas mulheres não estão a sobreviver, estão a viver. Estão a viver uma vida plena, de sentido e de intensidade. Tiveram, contudo, que passar por uma longa jornada de sobrevivência, que reaprender, sozinhas ou quase, como acordar para um novo dia, ou como voltar a respirar depois de um embate tão violento. E é por isto que, neste dia, é tão importante falar destes sobreviventes. É urgente prevenir o suicídio. Mas é igualmente urgente cuidar de quem fica. De todos nós, directamente afectados por estas mortes, que somos tantos, com uma maior propensão para desenvolver doença mental e, inclusive e infelizmente, para o suicídio. Cuidar de quem fica é, também, prevenir.

Lembro-me de ter escrito, poucos meses depois de o meu pai ter morrido, que me sentia todos os dias a bater contra uma parede de aço, que eu sabia conscientemente que não ia ceder e que só me ia deixar com mais nódoas negras, mas não conseguia parar o embate. E senti-me acolhida nestes sentimentos por estas viventes. E sobretudo senti que alguns dos meus lugares de silêncio deram vez a um lugar de empatia, o que só é possível na partilha. A partilha de quem faz um caminho de regresso à vida: pela escrita, por actividades profissionais, através de ombros amigos, de psicoterapia ou de meditação, dos abraços e ouvidos que acolhem, ou até das compras no supermercado diariamente para voltar a sentir o conforto das rotinas. O ritmo da vida que continua e não pára. Mas é preciso criar cada vez mais contextos, como estes criados pela Associação, para voltar a pôr os sobreviventes em contacto com as suas vidas, com a enorme resiliência que todos temos, para superar os maiores desafios.

Ontem conheci quatro mulheres que, como eu, não estão a sobreviver. Estão a viver uma vida plena de sentido e intensidade. Que estão a viver uma vida de resiliência que sabem (e aceitam) ser diferente daquela que viviam antes de terem experienciado a perplexidade e o desespero de lhes ter sido arrancada, a sangue frio, uma parte de si. Que se reencontraram com a esperança, o amor próprio e, sobretudo, com o entusiasmo de marcar o corpo, o coração e a vida, não com nódoas negras de embates contra uma parede de aço, mas com pegadas de caminho percorrido e novos trilhos abertos em novas estradas a descobrir.