Identificadas “impressões digitais” no cancro do pulmão de não-fumadores
Investigação descobriu que as assinaturas mutacionais no cancro do pulmão de pessoas que nunca fumaram estão sobretudo associadas a danos em processos naturais que ocorrem no corpo.
A maioria das pessoas que desenvolvem cancro do pulmão é ou já foi fumador. Depois, existem entre 10 e 25% de pessoas que nunca fumaram que acabam por ter também essa doença. Há muitos estudos genómicos que têm decifrado o que acontece quando os fumadores têm cancro, mas o que ocorre nos não-fumadores? Num estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Genetics, uma equipa internacional de cientistas identificou “impressões digitais” (mais concretamente assinaturas mutacionais) no cancro do pulmão de pessoas que nunca fumaram e verificou que a maior parte dos cancros nesses indivíduos surge a partir da acumulação de mutações causadas por processos naturais no corpo.
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A maioria das pessoas que desenvolvem cancro do pulmão é ou já foi fumador. Depois, existem entre 10 e 25% de pessoas que nunca fumaram que acabam por ter também essa doença. Há muitos estudos genómicos que têm decifrado o que acontece quando os fumadores têm cancro, mas o que ocorre nos não-fumadores? Num estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Genetics, uma equipa internacional de cientistas identificou “impressões digitais” (mais concretamente assinaturas mutacionais) no cancro do pulmão de pessoas que nunca fumaram e verificou que a maior parte dos cancros nesses indivíduos surge a partir da acumulação de mutações causadas por processos naturais no corpo.
Todos os anos, cerca de dois milhões de pessoas no mundo são diagnosticadas com cancro do pulmão – com os tais entre 10 e 25% a serem detectados em indivíduos que nunca fumaram. O tabagismo passivo, a poluição do ar ou doenças pulmonares prévias podem ajudar a explicar alguns cancros do pulmão em não-fumadores. Contudo, num comunicado sobre o trabalho na Nature Genetics, a equipa frisa que ainda não se sabe bem quais são as suas causas da maioria deles.
Nessa procura, a equipa coordenada por Maria Teresa Landi (investigadora no Instituto Nacional do Cancro, nos Estados Unidos) usou a sequenciação genómica para caracterizar as mudanças genómicas em tecidos de tumores de 232 indivíduos que nunca fumaram. Essa análise incluiu 189 adenocarcinomas, 36 carcinóides e sete tumores de vários outros tipos. A idade média das pessoas era de 64,8 anos e 75,4% delas eram mulheres. Nenhum dos doentes tinha ainda feito tratamentos contra o cancro.
Nos genomas dos tumores, procuraram-se assinaturas mutacionais. Essas assinaturas são uma espécie de “impressões digitais” e estão ligadas a processos mutacionais como danos nas actividades naturais do corpo (por exemplo, o stress oxidativo e reparações do ADN defeituosas) ou a exposição a agentes cancerígenos. A equipa metaforiza que essas assinaturas funcionam como um arquivo do tumor sobre o que levou à acumulação de mutações genéticas e dão pistas sobre as causas do desenvolvimento do cancro.
Através dessa análise, verificou-se que a maioria dos genomas dos tumores dos não-fumadores tinha assinaturas mutacionais associadas a danos de processos naturais que acontecem no corpo. Como seria de esperar, em nenhum dos doentes foram encontradas assinaturas anteriormente ligadas à exposição directa ao tabaco. Isso nem se observou nos 62 indivíduos que estiveram expostos a tabagismo passivo. Ou seja, há padrões mutacionais distintos entre fumadores e não-fumadores.
Três novos subtipos de cancro
A partir da análise genómica às mais de 200 amostras, descreveram-se pela primeira vez três subtipos moleculares de cancro do pulmão em não-fumadores. Para os nomear, a equipa usou nomes musicais com base no nível da “intensidade sonora” dos tumores – isto é, do número de mutações genéticas encontradas em cada subtipo. O subtipo piano tem menos mutações e parece estar associado à activação de células progenitoras, que estão envolvidas na criação de novas células. “Este subtipo de tumor desenvolve-se extremamente devagar, ao longo de muitos anos, e é difícil de tratar porque pode ter as designadas ‘mutações condutoras’ muito diferentes”, descreve-se no comunicado.
Já o subtipo mezzo forte tem alterações cromossómicas e mutações no gene EGFR (sigla que, em português, significa “receptor do factor de crescimento epidérmico”). Já se tem visto que o EGFR está frequentemente alterado no cancro do pulmão. Por fim, há ainda o subtipo forte, que se desenvolve de forma rápida e que apresenta uma “duplicação completa do genoma” – esta é uma mudança genómica que é vulgarmente observada nos fumadores.
Estes resultados podem vir a contribuir para tratamentos clínicos mais precisos e personalizados de diferentes tipos de cancro do pulmão. Além disso, este estudo traz também importantes pistas sobre como o cancro do pulmão surge em pessoas que nunca fumaram. “Estamos a começar a distinguir subtipos que podem potencialmente ter diferentes abordagens na prevenção e no tratamento”, afirma no comunicado Maria Teresa Landi. A equipa inclui também o cientista português Jonas de Almeida, do Instituto Nacional do Cancro, nos EUA. No futuro, a equipa pretende estudar um grupo com mais doentes de diferentes localizações.
Aos poucos, vai-se tendo um conhecimento genómico do cancro cada vez maior. Em 2020, mais de 1300 cientistas e clínicos apresentaram uma investigação na revista Nature na qual tinham analisado 2658 genomas de 38 tipos de cancro. Daí, resultou o maior e mais detalhado catálogo de genomas de cancros até à data.