Gouveia e Melo: “Acho que daria um péssimo político”
Militar sente-se mais vocacionado para decidir sob stress do que negociar, como se espera que os políticos façam.
Sete meses depois de ter sido nomeado pelo Governo, a 3 de Fevereiro, para coordenar do plano de vacinação contra a covid-19, o vice-almirante Gouveia e Melo confessou neste sábado que “daria um péssimo político” e que se sente “perfeitamente realizado enquanto militar”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Sete meses depois de ter sido nomeado pelo Governo, a 3 de Fevereiro, para coordenar do plano de vacinação contra a covid-19, o vice-almirante Gouveia e Melo confessou neste sábado que “daria um péssimo político” e que se sente “perfeitamente realizado enquanto militar”.
“Não sinto necessidade de dar [o meu contributo] enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de actuação completamente diferentes”, afirmou em entrevista à agência Lusa, numa entrevista de balanço sobre o processo de vacinação.
Gouveia e Melo, que foi recentemente condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa, rejeita ter inclinação para a política e, nesse sentido, põe de parte uma candidatura à Presidência da República, como chega a ser sugerido durante as manifestações de apoio à sua actuação no processo de vacinação. “Já diversas vezes me perguntaram e eu tenho a certeza absoluta de que há dentro do quadro democrático e da sociedade civil pessoas muito mais capazes para desempenhar esse papel”, respondeu o vice-almirante, para quem os militares são mais vocacionados para a acção e são menos negociadores. “A política é uma arte de negociação permanente, nós [militares] somos menos negociadores, na nossa maneira de estar a rapidez da acção não exige de nós grandes capacidades de negociação, exige grandes capacidades de decisão e de decisão sob stress”.
O submarinista destacou ainda que “não há necessidade de nenhum militar vir para a política" porque a classe política portuguesa “é muito desenvolvida e estruturada, a democracia está estruturada e terá os seus caminhos e encontrará sempre as suas soluções”. E resumiu: “Os militares devem fazer o que sabem fazer, que é ser militar e os políticos fazem o que sabem fazer, que é ser políticos (...) nós vivemos numa democracia estável, não devemos confundir as coisas”.
Despir o camuflado
Na entrevista, Gouveia e Melo foi questionado sobre quando despirá o camuflado que tem envergado desde que assumiu as funções relacionadas com o combate à covid-19 e prometeu abandoná-lo no momento em que a “guerra” for ganha.
“Vou despir este camuflado quando sentir que de alguma forma ganhámos a guerra, ou pelo menos não a conseguimos fazer melhor. Em princípio será quando se atingir os 85% das segundas doses”, assumiu. Esse marco deverá ser alcançado por estes dias, segundo disse, mas, até lá, não quer dar “sinal de descanso”.
“Enquanto não tivermos todos com a segunda dose — todos os 84% ou 85% da população — há um trabalho a fazer, que é retirar espaço de manobra ao vírus”, acrescentou, referindo que essa tarefa compete ao Estado, que tem de dar as condições para que tal aconteça, e aos portugueses, acorrendo ao processo de vacinação.
Gouveia e Melo considerou, no entanto, que não faz sentido “sobrevacinar” populações já vacinadas, deixando outras à mercê do vírus, nomeadamente noutras zonas do globo. “Isso não me parece ético e não parece uma boa estratégia”, destacou.
Anteriormente, Gouveia e Melo era adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo pelo qual recebeu uma medalha do Presidente da República, a 19 de Agosto passado. “Tratou-se de um reconhecimento, ao fim e ao cabo, da função militar”, disse.
“A medalha que eu recebi, em termos de timing, pode ter parecido que era uma medalha que tinha a ver com o processo de vacinação, mas o que me foi explicado (...) é que era um processo que tinha a ver com as funções que eu desempenhei nas Forças Armadas”, contou o vice-almirante.
Sobre o papel das Forças Armadas neste processo, o vice-almirante considerou que elas “são o que o povo quer que sejam” e que há mecanismos democráticos para que o faça sentir. “A população portuguesa tirará certamente as ilações que quiser tirar deste processo, tem os mecanismos democráticos para fazer sentir, o próprio poder político tem os mecanismos adequados para fazer sentido se o papel [das FA] é reforçado ou não é reforçado”, explicitou.