Miguel Miranda: “Já estamos a mexer com o clima ao mesmo nível que mexe a astronomia”
Presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) desde meados de 2012, o geofísico Miguel Miranda tira nesta entrevista uma fotografia global ao clima do planeta, com um zoom a Portugal.
A propósito do último relatório (o sexto) de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) utiliza várias metáforas para a experiência geofísica que estamos a fazer ao clima da Terra. Uma bola de neve imparável, um avião a despenhar-se, um carro que não trava. “Estamos a reescrever no chão linhas vermelhas e estamos a passá-las continuamente”, alerta Miguel Miranda. “A descarbonização é claramente o maior desafio que globalmente a humanidade tem.” Sobre Portugal, o geofísico diz que devemos estar à espera de um clima mais seco e mais quente, mais ondas de calor ou mais furacões tropicais que atinjam os Açores e a Península Ibérica.
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A propósito do último relatório (o sexto) de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) utiliza várias metáforas para a experiência geofísica que estamos a fazer ao clima da Terra. Uma bola de neve imparável, um avião a despenhar-se, um carro que não trava. “Estamos a reescrever no chão linhas vermelhas e estamos a passá-las continuamente”, alerta Miguel Miranda. “A descarbonização é claramente o maior desafio que globalmente a humanidade tem.” Sobre Portugal, o geofísico diz que devemos estar à espera de um clima mais seco e mais quente, mais ondas de calor ou mais furacões tropicais que atinjam os Açores e a Península Ibérica.
Olhando nos últimos tempos para os incêndios na Califórnia, na Grécia, na Turquia ou na Sibéria, os recordes de temperatura máxima no Canadá ou as inundações no centro da Europa, diria que o clima do planeta está mais extremo?
Penso que é hoje em dia consensual que a expressão dos fenómenos meteorológicos extremos é superior. A origem física desses fenómenos meteorológicos extremos não está completamente compreendida, em particular quando estamos a falar de fenómenos de escala muito local – aquilo que os meteorologistas chamam “processos convectivos”. Exemplo: os picos de precipitação concentrada que aconteceram na Alemanha e na Bélgica. Mas essas situações estão claramente a acontecer e estão de acordo com um quadro genérico em que não só temos a temperatura mais alta, como a temperatura mais alta está a aumentar a quantidade de fenómenos extremos.
Sabemos da física básica que, sempre que aumenta a temperatura da atmosfera, ela tem capacidade de reter mais água. É por isso que localmente poderemos ter precipitação muito maior do que tínhamos de experiência histórica. A expectativa é que vamos ter uma atmosfera mais húmida, mas calma: não é mais húmida para todos. Nós aqui ainda temos défice de água, porque o equilíbrio que neste momento existe ainda é o de um clima mais seco e estamos influenciados pelo crescimento da zona tropical associada ao deserto do Sara. Na verdade, as zonas mais húmidas estão um bocadinho mais a Norte, e vemos grandes inundações na Inglaterra, na Holanda, na Polónia.
Extremos acentuados e continuados de precipitação vão ter de levar inevitavelmente a um redesenho das redes de escoamento de água. Numa localidade da China numa semana choveu tanto como o que choveu no ano anterior. Não temos infra-estruturas para isso. Se calhar temos de ter, mas os custos das infra-estruturas vão disparar. As cidades como as conhecemos vão ter de se modificar, mesmo que nós nos portemos tremendamente bem. É essa questão que é a parte mais dramática do relatório do IPCC, que é dizer-nos: há coisas que vamos poder evitar, mas há coisas que já não vamos poder evitar.
O que o relatório do IPCC traz de novo em relação aos anteriores é acentuar a ideia de que nós estamos num clima em mudança que não atingiu ainda um ponto de equilíbrio. É dizer que, mesmo que se tomem medidas dramáticas, que não se estão a tomar, já vamos ultrapassar seguramente 1,5 graus e se calhar já estamos muito perto de ultrapassar os dois graus de aumento da temperatura média [do planeta]. E vamos ver se isso é apenas no final do século.
O que significa, neste caso, o clima não ter atingido ainda esse ponto de equilíbrio?
Que o clima vai continuar a mudar. É por isso que preferimos falar de mudanças climáticas, em vez de alterações climáticas. Porque o clima não está a andar para trás e para a frente. O clima está a partir de um ponto que era razoavelmente estático – sempre teve as modificações de origem astronómica, que são conhecidas. E hoje estamos a somar a essas modificações de origem astronómica, que eram expectáveis, modificações de origem humana, que já não eram tão expectáveis.
Esta mudança do clima, que é progressiva de um ponto para o outro, ainda não está numa situação em que sejamos capazes de a caracterizar de uma forma estável – aquilo que fez Köppen no século XIX, quando criou as suas classes de clima, que são definidas pelos geógrafos para a totalidade do planeta. Normalmente, chamamos “clima” às condições meteorológicas médias na baixa troposfera, a zona da atmosfera em que vivemos. Consideramos tipicamente os valores de humidade, precipitação e temperatura, que vemos variar ao longo das estações do ano. É assim que aparecem as classificações de clima que toda a gente conhece, como temperado húmido, temperado seco, etc.
Mas não podemos pensar que vamos ficar como estamos. Nós não vamos ficar como estamos! Estamos a ter variações que são lentas, mas inexoráveis, das quais um dos casos mais conhecidos é o das zonas desérticas. Estão a aumentar. Nas últimas décadas, o Sara aumentou 10%. E estamos a ultrapassar valores muito superiores à média da temperatura e da precipitação (e até de vento) e as duas coisas estão-nos a criar problemas diferentes. Os extremos continuados de temperatura – por vezes nem sequer são temperaturas que vemos como extremas, mas são persistentemente muito altas em dias seguidos – estão a levar a incêndios descontrolados. A Califórnia continua a arder imparavelmente, a Austrália teve essa situação ainda há muito pouco tempo.
O último relatório do IPCC diz que a influência humana no clima é agora “inequívoca” e “sem precedentes”. Isto é surpreendente ou já nem por isso?
Era uma situação que não existia nos relatórios anteriores. Mas o IPCC não faz investigação. Este relatório compila o trabalho de 14 mil artigos de investigação feitos no mundo inteiro no período entre os dois relatórios. E, a partir desses artigos, o IPCC tenta distinguir aquilo que está bem demonstrado [pela ciência] e aquilo que não está. Até ao quinto relatório, o anterior, as posições do IPCC, ao contrário do que muita gente pensa, eram muito conservadoras. O IPCC só dava por demonstrado aquilo que estava completa e irrefutavelmente demonstrado. O que se está a verificar agora é que, mesmo questões que eram consideradas como hipóteses, já foram verificadas. Portanto, hoje em dia não são hipóteses, são realidades.
O que tornou a mudança do clima tão evidente em relação ao relatório anterior (de 2013) foi a avalanche de dados científicos?
Vou dar um exemplo de um trabalho publicado na Science no final de 2020 que tem que ver com essa mudança. É um trabalho de dendrocronologia – o estudo os anéis das árvores –, que analisou os últimos 260 anos, tentando procurar duas coisas ao mesmo tempo: variações de ondas de calor e variações de humidade no solo, porque ambas as características se verificam na árvore. A árvore é um enorme instrumento de medida: guarda centenas de anos de história do clima, porque se desenvolve de forma diferente quando chove mais ou menos, o solo tem mais ou menos água ou ela tem mais calor ou menos calor. Isso fica indelevelmente marcado nos anéis que todos os anos a árvore constrói. O que o trabalho verificou foi que a alteração nas últimas duas décadas não tem paralelo em 260 anos. A ideia de que já vivemos isto: não, não vivemos isto!
Já tivemos temperaturas superiores ao que temos agora na Terra? Já. Sabemos isso do ciclo astronómico. E sabemos, por exemplo, que o último mínimo do nível do mar – que corresponde ao máximo do gelo, quando temos calotes polares muito desenvolvidas e a água na fase líquida é mais reduzida – corresponde a uma diferença em relação à temperatura média de cinco graus abaixo do início da revolução industrial. Com cinco graus abaixo, tínhamos o oceano mais fundo 90 metros durante a última era glacial, há 20 mil anos. Isso dá-nos uma ordem de grandeza. Agora nós já estamos a falar de um aumento de dois graus e meio [desde o início da revolução industrial]. Já estamos a falar da mesma ordem de grandeza de uma variação de um ciclo glacial. Isso significa dezenas de metros do nível do mar, para cima neste caso. Estamos neste momento a subir. Já estamos a mexer com o clima ao mesmo nível que mexe a astronomia.
Nem sempre há uma percepção real do que significa mais dois graus de temperatura no planeta desde os tempos pré-industriais…
Há duas ideias-chave que têm de entrar na cabeça das pessoas. Primeiro: aumentar dois graus é muito. Não é pouco, é muito! Estamos a falar de metade de um ciclo glacial. Se não conseguirmos parar isto, fabricamos num século um ciclo de cem séculos. Isso tem consequências imprevisíveis. A segunda questão: o clima está a mudar como se fosse uma bola de neve. Saímos do clima de partida e não sabemos a que clima vamos chegar. Estamos ainda a caminho, somos a bola de neve que desce a montanha. E a bola está imparável. Estamos a vê-la a rolar e a dizer “talvez seja melhor criarmos condições para que ela role mais devagar”. Mas, na verdade, não está a rolar mais devagar. E sabemos o que vai acontecer: há-de haver um ponto em que a bola não vai parar. São os tipping points – os pontos de viragem.
Se já passámos esse ponto, então quer dizer que já só vamos conseguir diminuir a velocidade do problema, não vamos conseguir anulá-lo. Isso é uma questão que a ciência ainda não respondeu. Há opiniões contraditórias, há controvérsia. O IPCC nunca consideraria isso uma conclusão completamente consensual e validada, mas é um problema em cima da mesa, é um elefante na sala: já passámos, ou não passámos, um ponto de não retorno?
Por exemplo, quando tiramos o gelo de uma calote polar, temos dois problemas. Pomos água no oceano, sobe o nível do mar. E mudamos o albedo da Terra, porque o branco reflecte a energia. Se mudamos o albedo dessa região, a Terra aquece mais ainda. Estes mecanismos são todos tão instáveis, tão milagrosos.
Outro caso típico tem que ver com os mecanismos físicos da circulação oceânica profunda, em que existe um equilíbrio muito fino entre o efeito da salinidade e o efeito da temperatura. A corrente profunda do oceano faz a circulação não só de temperatura da Terra – transporta o frio dos pólos para o equador e o calor do equador para os pólos –, mas dá-nos os climas temperados. Os climas temperados são essenciais à humanidade. Se cortarmos alguns desses mecanismos – e os paleoceanógrafos admitem que no passado isso já aconteceu –, podemos ter uma situação em que há uma mudança brusca do clima da Terra. Esse é o verdadeiro tipping point.
Está a dizer que mais dois graus na temperatura média do planeta vão trazer alterações profundíssimas do clima e que, se ainda não passámos o ponto sem retorno, vamos passá-lo em breve?
Tudo indica que, por este caminho, vamos passá-lo. A questão é: teremos a capacidade de tomar medidas mais rápidas? Quando foi feito o Acordo de Paris [em 2015], muitas pessoas pensavam que o acordo era conservador, que por aí não vamos lá. Hoje em dia a única coisa que se pode dizer é que era óptimo se se cumprisse qualquer coisa perto do Acordo de Paris [atingir o pico das emissões de carbono o mais cedo possível para ficar bem abaixo de um aumento de dois graus], porque já é tremendamente difícil cumpri-lo. Estamos a reescrever no chão linhas vermelhas e estamos a passá-las continuamente. Estamos num carro a descer uma ladeira e não estamos a saber inverter a marcha. Mas se continuarmos a ver os registos do CO2 atmosférico que se fazem em Mauna Loa no meio do Pacífico [no Havai] ou os que se fazem na ilha Terceira no Atlântico, vemos que a quantidade de CO2 [dióxido de carbono] continua a crescer, que a quantidade de CH4 [metano] continua a crescer. Estão inexoravelmente a subir. Portanto, não estamos a ter capacidade de travar o destino.
Temos de ter alguma fé – é estranho usar esta palavra, mas o próprio relatório do IPCC exprime isso – e algum optimismo para dizer que esperamos encontrar um equilíbrio futuramente em que a vida na Terra seja possível e viável. E não propriamente dentro de cápsulas, como se imagina que será a vida em Marte. Mas essa expectativa de que vamos ter um equilíbrio possível baseia-se mais numa perspectiva optimista do que em certezas.
Vai ser dramático, é isso?
Vai ser local e regionalmente dramático. O dramatismo provavelmente não vai ser distribuído da mesma maneira por todos os actores. Isso é uma diferença em relação à pandemia. A pandemia foi democrática: atingiu todos por igual. A resposta já não foi democrática: temos uns países que têm capacidade de se defender e outros que não têm. Mesmo numa exposição mediática como a que existe neste momento, parece não haver sensibilidade para que este problema tenha de ser resolvido. Estamos a viver em dois planetas: o planeta vacinado e o planeta não vacinado.
O clima vai criar situações do mesmo tipo, mas piores. Não vai ser democrático, vai atingir certas regiões – por exemplo, está a atingir fortemente a região subsariana que, tal como a região do Norte de África, está a sofrer com o aumento das zonas desérticas e o fim da possibilidade de fazer agricultura. E está a criar grandes migrações. Até que ponto é que alguém de um país desenvolvido e rico da Europa ou dos Estados Unidos ou da Austrália percebe que a fome do Senegal também é da responsabilidade dele. Não é uma mensagem fácil de transmitir. É verdade que também há responsabilidades intrínsecas: a estratégia da adaptação e mitigação nunca pode estar longe de uma estratégia de desenvolvimento económico. Se não houver desenvolvimento económico, não temos capacidade de responder às situações. As populações que são mais frágeis só podem responder de uma forma: emigrar.
Nas projecções do IPCC, no melhor cenário, a temperatura média da Terra subirá 1,6 graus até meados do século e 2,5 graus no final do século. O pior cenário será de 2,4 graus a meio do século e mais de quatro no final.
A Swiss Re, que é a maior empresa de resseguros da Suíça, estima que para uma perspectiva de 3,2 graus centígrados [de aumento da temperatura] haverá uma perda global do PIB de 18%. Os relatórios da Swiss Re – que aconselho a que sejam lidos na Internet – são quase mais dramáticos do que os relatórios dos cientistas do IPCC, porque eles vêem o lado da sobrevivência do sistema de seguros. As companhias de seguros são muito afectadas pelas grandes catástrofes naturais. Não é por acaso que se tornaram um grande impulsionador da investigação da previsão climática. O sistema de seguros divide o risco de um por muitos. Como não sabemos o que nos vai acontecer amanhã, todos pagamos para aquele que vai ser afectado. Mas imaginemos que sabemos quem é afectado, nessa altura os seguros não têm papel.
Temos de nos lembrar que este problema era quase visto como ideológico: havia quem era a favor e quem era contra a existência da mudança climática.
Passou para um problema que era essencialmente agrícola: começou a ver-se que havia culturas que eram possíveis e outras que deixariam de ser possíveis. Passou para um problema de gestão urbana, como é agora: não temos capacidade de fazer sair de repente de uma cidade uma grande quantidade de precipitação. Para um problema de gestão florestal: se calhar não temos capacidade de manter uma floresta num quadro muito mais quente do que o actual. E agora é também um problema económico, apesar de todos os esforços que estamos a fazer de adaptação e de haver sectores que conseguem redesenhar-se de forma a serem sustentáveis num clima diferente. Quando a Swiss Re diz que não fazer nada não é uma opção, que é a frase mais forte do relatório da Swiss Re, significa que já não está em cima da mesa não fazer nada. O business as usual é o caminho para o desastre.
O relatório da Swiss Re é mais poderoso do que o do IPCC porque o dinheiro fala mais alto?
É, porque é o poder económico. O dinheiro o que fala é: acabou! Game is over. O relatório saiu agora. E o que diz, no essencial, é que não fazer nada não é opção. Acho que é uma frase bastante forte. Podemos fazer uma coisa ou fazer outra. Mas temos rapidamente de parar isto. Temos! Quanto mais tempo demorarmos a parar, pior vão ser as consequências. É a tal bola de neve que desce a encosta.
Até agora temos tido sempre problemas muito regionais. E, infelizmente, os países como respondem a problemas regionais é emigrando. É o que está a acontecer no Norte de África ou na África subsariana. Mas quando estamos num problema global, a gente emigra para onde? Não há nenhum sítio para emigrar. Quando vemos que os problemas [do clima] começam a ser completamente globais, se bem que com pontos mais dramaticamente afectados do que outros, a nossa capacidade de resposta não é fácil. Viu-se o problema das cheias na Holanda, na Bélgica e na Alemanha, e estamos a falar países ricos que podem pensar em duplicar nessas cidades a partir de agora as normas da capacidade de escoamento de água.
Aqui em Portugal temos um problema do nível do mar, que pode ser minimizado com regulamentos, conseguirmos alterar o nível das construções com algumas acções pontuais, mas temos zonas extensas em que não há capacidade de resolver os problemas com engenharia. Onde não há essa capacidade temos de ter uma modificação de ocupação do solo, é inevitável. Ninguém imagina que numa zona húmida, como a ria Formosa, vamos construir diques com três metros de altura. Isso não é realista. E os países que não têm essa capacidade de investimento, como vão fazer? Vão morrer? Vão emigrar ainda mais? A população vai-se concentrar ainda em menos regiões da Terra? Provavelmente.
O que o relatório do IPCC e esses fenómenos extremos nos estão a dizer é que temos de modificar as cidades?
Sim, mas modificar as cidades é um investimento brutal. Os investimentos não são sempre negativos. Esperemos que esses novos investimentos até se reproduzam em melhoria das condições de vida.
Temos esta facilidade de tiramos da nossa memória as coisas más. Tivemos em Portugal, por exemplo, na zona da Figueira da Foz, o furacão Leslie [em Outubro de 2018], com uma grande capacidade destruidora. Alguém se lembra? Alguém tomou alguma medida para que o próximo Leslie não se repita? Do ponto de vista do IPMA, estamos a melhorar todos os sistemas de observação. Vamos melhorar dois novos radares e ter mais dois radares no Atlântico. Vamos tentar seguir os fenómenos o mais depressa possível, mas fazer entrar na memória – na capacidade de decisão das pessoas – estes fenómenos que, sendo muito intensos, são apesar de tudo raros e locais, não é fácil. É mais fácil desenvolver aquele mecanismo: isto só acontece aos outros.
E o que devia estar a fazer-se para evitar os efeitos do próximo Leslie?
A Protecção Civil tem de começar a encarar essa situação da mesma forma que encara os fogos florestais e os sismos. Ou seja: exercícios, formação e planos de contingência.
E está a fazer isso?
Acho que pouco, em relação ao que vai ser preciso.
Sobre o cumprimento do Acordo de Paris: parece pessimista.
Porque o seguimento exige esforços económicos e logísticos tremendos. E exige todo o redesenho de uma arquitectura social, que não podemos dizer que é fácil de fazer. A descarbonização é claramente o maior desafio que globalmente a humanidade tem e que, na minha opinião modesta, é bem mais complexo do que a pandemia em termos da forma de o atacar.
A pandemia, durante o período dos isolamentos, destruiu capacidade produtiva, mas na verdade tem-se demonstrado que os sectores mais atingidos até têm recuperado com alguma rapidez, porque interrompemos – não destruímos – a capacidade produtiva. O clima está a destruir capacidade produtiva. E é imparável. O que tivermos de fazer tem de ser diferente, tem de ser adaptado, tem de ser compatível com as novas condições de clima que se vão gerar. Isto numa situação em que não atingimos ainda o ponto de equilíbrio. É a parte mais complexa deste processo: o avião está a despenhar-se, estamos a descer e não estamos a conseguir retomar o equilíbrio.
Como vê então o evoluir do Acordo de Paris?
Existem medidas regulatórias que os políticos são capazes de tomar – e têm estado a tomar, isso tem de ser claro, e com bastante persistência. Em muitos países – Portugal é um desses casos –, as medidas que levam à descarbonização, que estão no Acordo de Paris, têm sido feitas e aplicadas. Existem adaptações de infra-estruturas que exigem adaptações de modo de vida que são muito mais difíceis de tomar e essas, francamente, só vão acontecer quando houver maus exemplos de situações extremas para que sejam aplicadas.
Quando o clima do planeta se “revoltar” ainda mais, é isso?
Exactamente. Nós não conseguimos lidar bem com a inevitabilidade. Não é por acaso que as tragédias gregas eram todas inevitáveis: as histórias das tragédias gregas são conhecidas na primeira cena e o coro vai pontuado ao logo da tragédia a percepção que se tem da situação. Sabe desde o princípio que o nosso caminho é inelutável. E, contudo, a tragédia é exactamente a nossa incapacidade de gerir o inevitável. Quando se tenta resolver problemas de grande dimensão com medidas de pequena dimensão, o resultado é sempre nulo.
E estamos a assistir a uma tragédia grega com o clima?
Estamos a assistir a uma tragédia grega, de certa forma. Qual é a nossa vantagem em relação ao passado? A capacidade de previsão hoje em dia é muitíssimo superior e, portanto, já temos capacidade de fazer, com algum realismo, a relação entre cada medida que se tome e o efeito que tem. Isso tem a obrigação de dar informação, que não havia no passado, para os decisores actuarem.
Na questão do clima, tem de haver um consenso político alargado dos países. Como vê aí o papel da União Europeia na descarbonização?
Temos uma grande contradição, que já se está a ver na pandemia e se vai ver em todo o lado. Temos problemas planetários e não temos governação planetária. Não temos. Nem sabemos fazê-la. Desde a Sociedade das Nações que há tentativas de estabelecer modelos mais ou menos complexos de cooperação planetária, mas todos eles, com umas partes positivas e outras negativas, não têm tido essa grande capacidade. Durante algumas épocas a governação planetária foi substituída pela existência de países que tinham uma tal dimensão política, económica e militar que conseguiam impor algumas coisas a todos os outros países – os Estados Unidos da América. Estamos numa situação que já não é exactamente a mesma coisa. Qual vai ser o papel de cada um dos grandes actores – a União Europeia é um dos grandes actores – ainda estamos para ver.
A União Europeia tem sido tremendamente positiva no aspecto da mudança climática, tem sido muito pró-activa do ponto de vista diplomático, tem sido o motor principal das conferências do clima desde a conferência de Paris de 2015. Do ponto de vista da dinâmica interna tem tomado decisões de grande coragem sobre o clima. Mas a capacidade de isso ter um efeito real na medida do que se faz lá em cima na atmosfera ainda está por demonstrar. Na verdade, não vale a pena a gente imaginar que a União Europeia, no seu conjunto, vai impor a sua visão do mundo. Não é possível. O ideal é fazer-se cumprir o Acordo de Paris, que neste momento é o mais optimista que se pode ser, e conseguir-se uma descarbonização com baixos custos económicos e sociais.
A União Europeia vai lançar um novo serviço de monitorização do CO2 de origem humana, no programa Copernicus. Que serviço é esse?
A União Europeia vai começar a fazer o Serviço de CO2 – está a ser preparado pelo Centro Europeu de Previsão de Tempo a Médio Prazo –, que vai medir directamente o CO2 e as fontes de CO2 na atmosfera. Vai ser um dos novos serviço do Copernicus que estará activo a partir de 2022. Então vamos ter a fotografia instantânea do CO2 que estamos a enviar para a atmosfera e, nessa altura, diria que vai haver surpresas. Onde estão as fontes de CO2? Teremos capacidade de as medir directamente – não é indirectamente – e perante essas fontes vamos ter mesmo de demonstrar a serenidade, persistência e coragem para tomar algumas medidas que façam inverter a situação.
O que vai fazer o Serviço de CO2 do Copernicus que até hoje não era possível?
Hoje, o que fazemos é essencialmente um cadastro de emissões. Fazemos ideia que uma empresa de celulose de um local emite algum CO2, ainda que se possa medir directamente na chaminé. Podemos saber que os campos agrícolas emitem CO2, pelo menos durante uma parte do dia, e podemos estimar quanto é. Podemos saber que um porto, que tem embarcações a entrar e sair, também é durante alguns períodos um grande emissor. Mas não estamos a medir directamente. Medir directamente é ter satélites à volta da Terra que são capazes de fazer perfis virtuais de análise química da atmosfera e são capazes de ver em que pontos o CO2 está a sair e em que pontos está a entrar.
Esses perfis dizem exactamente qual é a fábrica que está a emitir?
Dizem qual é a zona e percebe-se logo qual é a fábrica. Ou, por exemplo, dizem qual é o porto. Vamos ver os pontos de emissões e de sumidouros de CO2. Ao ser possível medir as fontes directas, estamos a ter uma imagem instantânea da Terra em contínuo e isso vai-nos dar a todos uma responsabilidade enorme. Porque vamos passar de um sistema que é, apesar de tudo, uma estimativa. É o melhor possível, mas ainda por cima não é para a Terra toda, é só para os países que têm a capacidade de ter um bom cadastro de fontes, como Portugal. Agora vamos ver isto no seu global a partir do espaço e vamos ver até fontes a que, se calhar, nem estávamos da importância.
E ninguém tinha esse serviço até agora?
Não, esse serviço não existia. Está a ser montado nos satélites Sentinela, para ser produzido para a Terra toda. Por exemplo, esse é um caso em que a União Europeia tem uma liderança evidente.
A partir de agora os países já não poderão dizer que não têm nada que ver com estas ou aquelas emissões, porque se vai saber exactamente…
… Onde, quando e porquê.
Já não se poderá esconder a poluição debaixo do tapete?
Não. Não vai haver mais tapetes.
Quando diz que vamos ter surpresas com o novo Serviço de CO2, tem alguma coisa em mente?
Tenho: os transportes marítimos e terrestres, cuja avaliação é sempre uma estimativa indirecta. A existência de situações em que o seu balanço pode não ser positivo. Por exemplo, áreas que tenham incêndios regulares, áreas arborizadas que simultaneamente funcionam sumidouros de CO2 e como fontes, qual é o balanço que fazemos ao fim do ano, ao fim de dez anos? Tenho a certeza de que vai haver grandes surpresas para muita gente. Vai-nos permitir também fazer um plano realista que é preciso para chegarmos às emissões de carbono nulas.
Ao criar soluções, vamos também ter outros problemas. Podemos passar para painéis fotovoltaicos e vamos ter problemas com os painéis. Podemos passar a baterias a lítio e vamos ter o problema do lítio. Ou seja, vamos mudar de problema. Mas chegámos a uma altura em que temos mesmo de descarbonizar a economia com alguma rapidez.
E esperemos que não cheguemos à situação, que seria a mais louca de todas, da tentativa da geoengenharia. Intervir na atmosfera para tentar baixar a temperatura, porque isso ninguém sabe exactamente onde é que vai parar.
Porque ninguém sabe as consequências disso?
Exactamente. Vendíamos a alma ao diabo e nem sequer recebíamos troco.
Relatórios de há 50 anos de cientistas dos EUA já alertavam que estávamos a fazer uma gigantesca experiência geofísica no planeta.
Exactamente, é o que estamos a fazer. E estamos a tentar fazer ainda uma segunda experiência agora, que é tentar alterar as formas de produção e disponibilização de energia de forma tão rápida que o nível e a qualidade de vida dos cidadãos não diminua. Estamos a tentar descarbonizar sem reduzir a qualidade de vida dos cidadãos, o que é difícil e exige uma grande persistência e uma grande disponibilização de meios e um desenvolvimento científico-tecnológico ainda a uma taxa superior ao que temos neste momento.
Houve alguns progressos científicos nas últimas décadas que tornaram possível o que hoje conhecemos. Se não houvesse ciência aberta, se não houvesse circulação de ideias e de artigos científicos, se não houvesse uma grande internacionalização das universidades de todo o mundo, o que estamos a fazer agora seria impossível, vide as vacinas da covid-19 que envolvem cientistas de vários países que andaram de um lado para o outro, envolvem informação que circulou livremente e envolvem os processos industriais que foram utilizados para escalar a solução. Se não tivesse havido esta globalização da ciência – as pessoas falam muitas vezes contra a globalização –, isso seria impossível. Como se a ciência tivesse conseguido antecipar que tinha de se globalizar para responder às ameaças globais, como uma pandemia.
E no caso do clima, que globalização foi essa?
O clima está globalizado desde o século XIX, desde que apareceu o telégrafo. Porque foi sempre entendido, mesmo em tempo de guerra, que a informação meteorológica tinha de circular livremente. A aviação civil ainda impôs isso a outro nível: se queremos ter ligação entre países, temos de ter informação meteorológica livre. O que existe agora é um acelerar da capacidade de modelação. A capacidade de computação aumentou muito, mas ainda tem de aumentar mais, para as necessidades que temos de previsão climática, não meteorológica, mas climática. Cada vez existem mais centros internacionais de supercomputação para dar resposta a essa necessidade e cada vez mais existe cooperação internacional nesta área. É talvez das áreas onde quase nem houve guerra fria, ou seja, em que cientistas americanos, russos, chineses, europeus têm trabalhado em conjunto para o clima. E é isso também que permite que tão rapidamente se tenha chegado a esta capacidade de previsão que temos hoje. Diria que talvez seja das áreas em que as fronteiras políticas são menos relevantes. É das poucas áreas em que a cooperação internacional científica nunca parou. Isso é um sinal inequívoco que se sabe que é um problema, porque, se não fosse assim, essa cooperação teria sido interrompida.
Aumentar mais a capacidade de computação e modelação no clima será para saber o quê exactamente?
Temos de ser capazes de prever mais eficientemente a médio prazo no clima. Existem modelos globais de clima: tentam ver o clima global na Terra toda, têm uma certa resolução. Mas nós não queremos ver só o clima global, queremos ver o clima aqui ou ali – em Castanheira de Pêra, em Montemor-o-Velho… Exigem depois modelos regionais que usam os modelos globais. Todos estes modelos têm limitações. Existe alguma fenomenologia que está fora dos modelos. Têm que ver, em particular, com fenómenos de convecção, com interacções com a estratosfera, com interacções com o solo, que têm progressivamente de ser colocados dentro dos modelos. Estamos cada vez mais a pôr mais fenomenologia dentro dos modelos, mais parâmetros biofísicos, para tentar simular o que vai acontecer. Isso tem a obrigação de nos dar alguma capacidade de resiliência. Mas atenção: as cheias no Centro da Europa foram previstas, os fogos foram previstos – bem previstos, mesmo em Portugal. E o facto de os termos previsto não impediu nenhuma das suas consequências.
O que falhou então?
O sistema social não é um conjunto de robôs com botõezinhos on e off. Temos capacidade de fazer andar um comboio a 600 quilómetros por hora e de o parar em 30 segundos. Mas não temos capacidade de agarrar numa multidão desesperada e dar-lhe uma única direcção. E ainda bem que não temos, porque esse caos faz parte da liberdade. O facto de sabermos que vamos ter um grande problema amanhã ainda não significa que sabemos bem como gerir a emergência.
Sabemos fazer a protecção civil, a preparação, a adaptação para que os meios sejam mais eficazes – por exemplo, zonas livres de floresta para os carros de bombeiros poderem andar. A emergência não estamos a conseguir desencadeá-la nos cidadãos, nas infra-estruturas, nos gestores de uma forma ainda muito eficaz, se bem que temos a informação. Os mecanismos tecnológicos são os mais fáceis: desligar aqui, ligar acolá. Os autoritativos, uma autoridade obrigar a um certo tipo de comportamento, são mais difíceis do que os primeiros, mas a verdade é que têm entrado na cultura. Mas mesmo em sistemas em que os cidadãos compreendam melhor a situação pode acontecer que as suas decisões não sejam todas inteligentes. O facto de o cidadão poder decidir pela sua cabeça também envolve um risco que carrega consigo.
No caso da Alemanha, soube-se com dias de antecedência que ia chover muito.
Não estamos preparados para gerir de forma rápida áreas urbanas com grandes densidades populacionais. Podemos fazer isso, mas como o fazemos num ambiente de democracia e liberdade? Já se pensou nisso? É óbvio que a forma como, por exemplo, gerimos a pandemia nos países democráticos foi diferente da dos países asiáticos não democráticos. E até se pode dizer que, se calhar, no segundo caso foi mais eficiente, porque se se restringe a liberdade de todos e, se se obrigar cada um a fazer o que está numa folha de Excel, provavelmente o resultado é capaz de ser melhor. Mas temos de compreender que há contradição entre eficácia e o livre arbítrio e, portanto, ou temos mais liberdade e menos eficácia ou temos mais eficácia e menos liberdade. Espero que a escolha seja a primeira. Não vai ser a mais segura, mas por enquanto é aquela que ainda atrai as pessoas para viver nela. O significa que há qualquer coisa de felicidade que tem a ver com o risco. A felicidade também é a capacidade de encarar a vida com riscos.
O que se espera para Portugal em termos de mudanças do clima?
Devemos estar à espera de um clima mais seco e mais quente. Devemos estar à espera de que aumentem significativamente as ondas de calor, com os impactos que têm na saúde e na agricultura. Devemos estar à espera de maior stress do ponto de vista dos incêndios rurais. Devemos estar à espera de deficiência de precipitação, com a obrigatoriedade de colocarmos sistemas que possam substituir as necessidades de água doce. Devemos estar à espera de mais furacões tropicais do Atlântico, que cheguem e atinjam tanto os Açores como a Península Ibérica. Temos de estar à espera de fenómenos pontuais de elevada precipitação, tanto no Continente como na Madeira e nos Açores. Isso não oferece hoje grandes dúvidas de que vai acontecer. Tudo isto, em certas regiões do país, pode ter intensidades muito elevadas. Podemos ter situações regionalmente mais críticas no país do que as que temos conhecido, como por exemplo as cheias da Alemanha e os incêndios da Califórnia.
Como é que vamos reagir a isto?
Diria que o sistema agrícola está muito alertado para as situações e tem feito progressivamente alterações das variedades que estão a ser plantadas e vai tentar aguentar-se. A parte das zonas de baixa densidade populacional está a ser atacada por uma política de modificação da paisagem, para uma paisagem mais resiliente à mudança climática – e que é fora da minha compreensão da situação.
As zonas urbanas são aquelas em que, na minha opinião, existirão os maiores problemas. São normalmente percepcionadas como ricas, quando é onde há os maiores focos de pobreza. São percepcionadas como os grandes beneficiários do desequilíbrio demográfico do país, mas que provavelmente são os grandes prejudicados do desequilíbrio demográfico e onde é necessário um programa estruturado de resistência até à própria migração interna do interior para o litoral. A qualidade de vida dos cidadãos nas zonas periurbanas tem de ser de claramente melhorada. Essas zonas foram agora focos de propagação da pandemia inelutáveis. E perceber que esses são os nossos concidadãos e temos mesmo de os proteger. Achamos mais facilmente que as zonas de baixa densidade têm de ter investimentos para aguentar lá as pessoas, mas por vezes é mais difícil passar a mensagem de que as zonas de alta densidade têm de ter mais investimento para defender as pessoas que já lá estão. As imagens das inundações da Alemanha devem ser vistas e revistas por todos. É uma zona de elevada densidade, que até é rica, e não conseguiu fazer nada.
E o país está a preparar-se para os fenómenos extremos?
Desse ponto de vista, diria que existe alguma compreensão do que pode acontecer, essencialmente depois do que aconteceu em 2017 com os fogos [de Pedrógão Grande em Junho e no Centro interior do país em Outubro] – vimos pela primeira vez um fenómeno mesmo extremo – e com o furacão Lorenzo nos Açores [em 2019]. Foram duas situações extremas com um impacto superior ao que se estava à espera. Mas atenção: não temos capacidade instalada para evacuar uma zona urbana densa.
À excepção do Açores, não associávamos os furacões a fenómenos que afectam Portugal continental. O Leslie em 2018 foi o primeiro que cá chegou.
Não associávamos, mas vamos associar. Tem muito a ver com a dimensão dos furacões. Os furacões alimentam-se da energia da água do mar que está sobreaquecida. Quando tipicamente um destes furacões interagia com os Açores, normalmente seguia percursos que estavam entre uma ilha e outra. Apanhava o mar. O que foi diferente no Lorenzo é que, pela sua dimensão, ele não sofreu nenhuma deflexão. O Lorenzo teve um percurso em que passou por cima das Flores sem nenhuma hesitação, afectando toda a zona, incluindo o Faial. Se se continuar a verificar o aumento de fenómenos desta dimensão, eles já não vão ter nenhuma deflexão e vão passar a eito em cima das ilhas. Não vêem as ilhas.
Normalmente, quando estes fenómenos chegam a terra perdem rapidamente energia, não têm água quente para se alimentarem. Mas se a sua dimensão for maior, a capacidade de fazerem percursos para o Continente vai ser cada vez maior e, portanto, vão deixar de ser vistos como um fenómeno secundário para os portugueses.
Nunca tivemos know how sobre furacões no instituto [IPMA] e, de repente, começámos a participar nas reuniões do National Hurricane Center, nos Estados Unidos, por convite deles há uns três ou quatro anos. Começámos a ver que alguma coisa está aqui diferente do que era no passado. Por isso, ainda bem que somos capazes agora com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] de colocar um radar nas Flores e outro em São Miguel.
E que radares são esses?
O PRR vai financiar dois novos radares meteorológicos que nos faltavam nos Açores, que é o radar das Flores e o de São Miguel. Os Açores tinham um radar na Terceira até à saída dos americanos da Base das Lajes em 2016. Vamos também fazer o upgrade dos radares de Coruche e de Loulé, que são muito velhos. Isto até ao fim de 2023. O investimento total é superior a nove milhões de euros. Com os radares das Flores e de São Miguel vamos cobrir um transecto no Atlântico enorme. É uma enorme responsabilidade, até para o país. O seguimento e a medição directa da velocidade do vento de cada um desses fenómenos [furacões] vai passar a ser feita por nós, para distribuir internacionalmente. Seremos capazes de medir bem a velocidade de um fenómeno destes, mesmo que ainda esteja a 200 ou 300 quilómetros de distância. Isso tem uma enorme vantagem para a física, para percebermos o exactamente o que se está a passar, mas também em termos de segurança das pessoas. Permite salvaguardar portos, zonas de lazer.