“Transporte ferroviário tem de ganhar o seu papel através da concorrência”, diz a Comissão Europeia
Conferência sobre a alta velocidade em Lisboa marcou a partida do Connecting Europe Express.
Dezenas de especialistas europeus reuniram-se esta sexta-feira em Lisboa numa conferência sobre a alta velocidade dando, de alguma maneira, as boas-vindas a Portugal por também embarcar nesse comboio, apesar de o país ainda só ter riscos desenhados no mapa e faltarem uns bons anos até construir o seu primeiro quilómetro destas vias férreas do futuro.
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Dezenas de especialistas europeus reuniram-se esta sexta-feira em Lisboa numa conferência sobre a alta velocidade dando, de alguma maneira, as boas-vindas a Portugal por também embarcar nesse comboio, apesar de o país ainda só ter riscos desenhados no mapa e faltarem uns bons anos até construir o seu primeiro quilómetro destas vias férreas do futuro.
Os discursos foram pautados pelas vantagens que o modo ferroviário tem face aos outros modos de transporte no âmbito da transição climática.
Jorge Delgado, secretário de Estado dos Transportes, resumia assim aquilo que praticamente todos os oradores repetiram: “Já não há dúvidas. Já ninguém questiona. O transporte ferroviário é um transporte do futuro! É verde e sustentável. Não se cumprirão as metas climáticas sem ele! É confortável e seguro. É o meio de transporte terrestre mais seguro e com menor incidência de acidentes fatais. É eficaz e proporciona qualidade de vida aos nossos cidadãos”.
Carlo Secchi, coordenador do Corredor Atlântico das redes transeuropeias, trouxe os exemplos da China e do Japão como casos de grande sucesso sobre o impacto positiva de uma rede de alta velocidade. “Na China libertou mais espaço nas redes convencionais para os comboios de mercadorias, criou-se mais empregos, aumentou o crescimento de cidades secundárias, e tudo isto com maior sustentabilidade ecológica e com um rácio custo-benefício positivo em centenas de milhões de euros”, disse.
O coordenador do Corredor Atlântico disse ainda que no Japão “o comboio de alta velocidade substituiu as viagens aéreas em distâncias de 750 quilómetros” e que na China a alta velocidade fez baixar os custos das tarifas aéreas e levou à eliminação de voos entre cidades que distam 500 quilómetros.
Alertou, contudo: “não temos o luxo de sermos uma mesma entidade com um financiamento comum” para construir 22 mil quilómetros de linhas de alta velocidade. Explicou que o governo chinês financiou este grande projecto em 60%, mas que 40% foi financiado pelo mercado através de obrigações, naquilo que constitui “um investimento seguro garantido pelo Estado”. E anunciou que na Europa “a Comissão fez uma proposta de acções verdes europeias também com os mesmos fins”.
Linhas modernizadas a 160 km/h
Reconhecendo as dificuldades do Velho Continente em construir uma rede de alta velocidade devido às limitações orçamentais e técnicas, Carlos Secchi disse que, “além das novas linhas, há também a opção por melhorar as redes existentes para conseguir velocidades mais elevadas” e que a Comissão está a considerar uma velocidade média de 160 km/h como patamar para essas linhas modernizadas.
Trata-se de uma velocidade que fica muito além daquilo que está a ser feito em Portugal no âmbito do Ferrovia 2020, o qual praticamente se limita a electrificar linhas sem investir no aumento das velocidades dos comboios, mantendo-se este pouco competitivo face à rodovia. Aliás, há até casos, como na Beira Alta, onde o projecto de modernização prevê uma redução da velocidade dos comboios de passageiros.
Para falar das virtudes da concorrência no mercado da alta velocidade, estiveram presentes Hélène Venezuela, directora da Ouigo, uma empresa subsidiária da SNCF que opera em Espanha em concorrência directa com a Renfe, e o italiano Frederico Meda, da NTV, um operador privado de passageiros que também concorre com a empresa incumbente Trenitalia.
A primeira referiu-se ao êxito da sua operação na linha Madrid-Barcelona, que teve início há quatro meses e na qual o baixo preço praticado é uma variável fundamental. E Frederico Meda revelou que a concorrência fez baixar em 40% o preço dos comboios de alta velocidade e que essa descida foi sustentada pois ambos os operadores (privado e público) têm lucro. Os ganhos de produtividade e o aumento da procura asseguraram uma descida dos preços sem prejuízos. Por outro lado, disse, foi notória que a qualidade aumentou no serviço prestado por ambos.
Pela Comissão Europeia falou o director-geral da Mobilidade e Transportes, Henrik Hololei, que confessou a dificuldade que teve em organizar o Connecting Europe Express devido às disparidades técnicas e políticas entre os países.
É verdade. Só entre a CP e a Renfe, o PÚBLICO apurou que houve pouca sintonia no que toca ao pagamento da composição que veio em vazio de Madrid para Lisboa para fazer o comboio europeu, e que a própria aplicação do vinil exterior nas carruagens com imagens alusivas ao evento foi objecto de discussão.
“A experiência de organizar esta viagem mostrou-nos que na realidade as coisas não estão a avançar como gostaríamos”, disse o alto responsável europeu, que traçou um quadro amargo das regulamentações obsoletas das ferrovias nacionais.
A solução, contudo, estará no mercado. “O transporte ferroviário tem de ganhar o seu papel através da concorrência. Entre Paris e Bruxelas [graças à alta velocidade] desaparecem os voos e não foi necessário proibir nada. Quando [a linha] Lisboa e Porto estiver em funcionamento isso também vai acontecer”, disse.
Já no dia anterior a comissária dos Transportes, Adina Valean, que se deslocou a Portugal para participar nesta iniciativa, tinha afirmado na Assembleia da República que os comboios nocturnos, apesar do seu contributo para a redução de gases com efeito de estufa, devem ser sustentáveis, rejeitando qualquer política de subsidiação por parte da União Europeia.