O que está errado na alimentação das nossas crianças nas escolas?
A incorrecta alimentação vai muito além dos problemas de obesidade, é sim um problema multidimensional que potencia comorbilidades futuras, com forte impacto para as crianças, futuros adultos bem como, em última instância, para toda a sociedade.
Um dos temas quentes dos últimos dias é o recente despacho publicado em Diário da República, referente às normas de elaboração de ementas e venda de géneros alimentares nos estabelecimentos de educação e ensino. Trata-se de uma lista dos alimentos que devem constar nos menus escolares e, ainda com mais ênfase, aqueles que não podem estar presentes. Qual a razão deste despacho? O que está errado na alimentação das nossas crianças nas escolas? Será uma medida necessária ou exagerada?
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Um dos temas quentes dos últimos dias é o recente despacho publicado em Diário da República, referente às normas de elaboração de ementas e venda de géneros alimentares nos estabelecimentos de educação e ensino. Trata-se de uma lista dos alimentos que devem constar nos menus escolares e, ainda com mais ênfase, aqueles que não podem estar presentes. Qual a razão deste despacho? O que está errado na alimentação das nossas crianças nas escolas? Será uma medida necessária ou exagerada?
A verdade é que o saudável desenvolvimento infantil é cada vez mais uma meta necessária para todas as crianças das diferentes idades, culturas e estratos sociais. A incorrecta alimentação com excesso de sal, gordura, açúcar e falta de nutrientes e micronutrientes tem um impacto negativo na saúde, para mais numa fase de crescimento exponencial, como o período da infância. Mesmo sendo um dos problemas de saúde pública mais actuais em Portugal é importante referir que este impacto não se cinge apenas ao excesso de peso e obesidade infantil, que em 2019 ainda abrangia 29,6% e 12%, respectivamente; mas também a outros problemas de saúde como subnutrição, compromisso do desenvolvimento cognitivo e motor, anemia, diabetes, entre outros. Ou seja, a incorrecta alimentação vai muito além dos problemas de obesidade, é sim um problema multidimensional que potencia comorbilidades futuras, com forte impacto para as crianças, futuros adultos bem como, em última instância, para toda a sociedade.
Assumindo a escola um papel fundamental na educação, é também um elo essencial para a educação para a saúde, tendo a responsabilidade de promover uma alimentação saudável que confira as melhores condições para o desenvolvimento físico e mental. Sendo a alimentação saudável um dos conteúdos programáticos e capacitando as crianças para os diversos grupos alimentares e implicações de uma dieta inadequada, não se torna, no mínimo estranho, a oferta alimentar ser constituída por salsichas e batatas fritas ou por um leite com chocolate e umas bolachas? Provavelmente vai ser confuso para a criança perceber a necessidade e os benefícios de uma dieta rica e variada, com alimentos como legumes e fruta na sua constituição, quando na prática lhe é oferecido o oposto. Por outro lado, as crianças são um grupo vulnerável, tendo nós adultos o dever de as proteger. Assim não será lógico que uma refeição rica a nível nutricional ajude a cumprir esse papel?
Actualmente, sabemos também que para algumas crianças o almoço na escola é a única refeição completa que vai comer ao longo do dia, o que reforça a necessidade de ser consistente a nível nutricional. Claro que esta refeição não suprime a necessidade e importância de uma correcta alimentação ao longo do dia, nem tão pouco afasta a responsabilidade dos pais na oferta dos melhores alimentos que conseguirem, no entanto é mais um passo que ajuda a criança a desenvolver-se com as melhores condições a nível nutricional, acarretando ganhos em saúde a longo prazo.
Com tudo isto, não queremos dizer que todos os alimentos “não saudáveis” devem ser abolidos da alimentação da criança. Esta pode perfeitamente comer um gelado numa ida ao parque ou um croquete no piquenique ao final de tarde, no entanto estas devem ser as excepções, que tão bem sabem por sinal, mas não a regra. Se estas excepções forem oferecidas, dia após dia na escola, tornar-se-ão a regra que nada beneficiará a sua saúde e saudável desenvolvimento. Assim sendo, este despacho surge como um pilar fundamental que suporta a educação para a saúde, a responsabilização da escola para o saudável desenvolvimento infantil e beneficia a actuação da saúde escolar. Como em tudo, é preciso tempo, tempo para mudar mentalidades e abrir as portas à mudança que tantos benefícios trará a longo prazo.
As autoras são enfermeiras rspecialistas em Saúde Infantil e Pediatria e criadoras da Grow Up Baby