Já se pode ver o Cupido que Vermeer pintou há mais de 350 anos e que alguém decidiu esconder

Está finalmente terminado o restauro da pintura do mestre holandês. A partir de 10 de Setembro estará em exposição.

Foto
A pintura de Vermeer em Maio de 2019, quando o restauro não estava ainda terminado Cortesia: Gemäldegalerie Alte Meister

Com a parede despida, a jovem mulher de perfil junto à janela está apenas a ler uma carta, tirando partido da luz suave que entra pela janela, em que aparece reflectida parte do seu rosto. Agora que os conservadores restauradores puseram a descoberto o Cupido que Vermeer pintou em fundo, a jovem mulher passou a ter nas mãos uma carta de amor. Se o mestre holandês quis que fizéssemos esta interpretação, jamais saberemos, mas que ela é legítima disso parece não haver dúvidas.

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Com a parede despida, a jovem mulher de perfil junto à janela está apenas a ler uma carta, tirando partido da luz suave que entra pela janela, em que aparece reflectida parte do seu rosto. Agora que os conservadores restauradores puseram a descoberto o Cupido que Vermeer pintou em fundo, a jovem mulher passou a ter nas mãos uma carta de amor. Se o mestre holandês quis que fizéssemos esta interpretação, jamais saberemos, mas que ela é legítima disso parece não haver dúvidas.

A Gemäldegalerie Alte Meister (galeria dos mestres da pintura antiga) de Dresden, na Alemanha, apresentou recentemente à imprensa uma das obras mais famosas da sua colecção, agora que foi dado por terminado o restauro de um ano a que foi submetida. Esta intervenção foi feita depois de um estudo ter determinado que, quando Johannes Vermeer concluiu Rapariga lendo uma carta junto a uma janela aberta (c. 1657-1659), o quadro era bem diferente daquele que até aqui conhecíamos.

Depois
Antes
Cupido escondido num quadro de Johannes Vermeer

Há já quatro décadas que os técnicos do museu de Dresden, a cuja colecção a pintura pertence há mais 250 anos, sabem que o artista fizera uma pintura dentro da pintura, representando o deus do amor, com o seu arco. Viram-no, pela primeira vez, em 1979, quando a obra foi radiografada, e voltaram a vê-lo em 2009, quando foi analisada com recurso à reflectografia de infravermelhos, uma técnica que é usada para aceder ao que a camada cromática visível esconde (o desenho preparatório a carvão, por exemplo, ou, como aqui, outros elementos pintados).

Tanto numa altura como noutra, escreve a publicação The Art Newspaper, os especialistas acreditaram que o próprio Vermeer se arrependera do seu Cupido e decidira cobri-lo, deixando nua a parede. Só em 2017 viria a ter início um estudo material mais aprofundado da obra e foi aí que, removido o verniz que a protegia, aplicado no século XIX, começou a ganhar terreno a ideia de que não fora o pintor a abdicar deste deus-menino.

Recorrendo a uma complexa bateria de exames, os técnicos descobriram, então, que entre o Cupido e a tinta que até aqui o cobria havia uma camada de ligante e outra de sujidade. Assim sendo, passaram a defender que várias décadas separavam a imagem da divindade romana da camada que a escondia, concluindo, assim, que não podia ser Vermeer o responsável pelo repinte.

Posto isto, os conservadores restauradores removeram cuidadosamente a tinta sobreposta ao original do mestre holandês, que será a estrela da exposição que é inaugurada a 10 de Setembro nesta galeria alemã.

Johannes Vermeer: On Reflection vai mostrar dez das cerca de 35 pinturas atribuídas ao artista, contando com empréstimos de peso, como Casas em Delft (c. 1658), do Rijksmuseum, de Amesterdão, e O Geógrafo (1669), do Städel, de Frankfurt.

“Com a imagem do Cupido em segundo plano recuperada, a intenção do pintor de Delft pode [agora] ser reconhecida”, diz o director da galeria de pintura antiga, Stephan Koja, citado num comunicado da casa. “Além do contexto aparentemente amoroso, trata-se de uma declaração sobre a natureza do amor verdadeiro. Antes [deste restauro], víamos [no Cupido] apenas um elemento rudimentar, agora podemos entendê-lo como uma imagem-chave na sua obra.”

Para contextualizar esta afirmação de Stephan Koja há que lembrar, à semelhança do que faz o site especializado Artnet, que Vermeer pintou também um cupido em tudo semelhante a este numa outra obra em que representa uma mulher de pé junto a um virginal. O artista ter-se-á inspirado numa pintura do deus do amor que teria em sua casa, uma teoria que o inventário feito após a sua morte parece confirmar – na lista dos seus bens deixados à viúva figura “um Cupido”.