É preciso descontracção nos ossos da bexiga
As pessoas inquietas não sabem o que significa tirar férias da inquietação. Até podem marcar hotel, fazer as malas e abalar, achando que vão encontrar quietude longe do trabalho e do lar, só que não.
As pessoas inquietas não sabem o que significa tirar férias da inquietação. Até podem marcar hotel, fazer as malas e abalar, achando que vão encontrar quietude longe do trabalho e do lar, só que não.
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As pessoas inquietas não sabem o que significa tirar férias da inquietação. Até podem marcar hotel, fazer as malas e abalar, achando que vão encontrar quietude longe do trabalho e do lar, só que não.
O Diogo divorciou-se, arranjou uma namorada linda, sensível, meiga, com umas mamas que são o epíteto da perfeição e que cabem à medida na concha das suas mãos. Levou-a ao mais belo refúgio que conhecia para passarem uns dias e, afinal, não parou de pensar na ex-mulher e na filha, no lar que abandonou há uns meses: sentia-se profundamente inquieto.
Enquanto vivia com a família, o Diogo também não tinha descanso. Onde quer que fosse não parava de pensar na miúda que agora estava consigo nua no tal sítio paradisíaco. Ele não entendia porque é que se sentia igualmente inquieto se estava, por fim, acompanhado pela mulher que amava e desejava. A sua mudança de vida não foi uma decisão impulsiva, planeou deixar a família, desfazer-se da mulher de longa data que o acompanhara desde a adolescência. Tratava-se de uma boa mulher, bonita e inteligente; porém, deixou de sentir desejo por ela. A filha de ambos tinha mais do que idade para entender que a vida é assim, aos doze anos já se percebe que o amor carnal pode acabar, que os pais não têm de se sacrificar e de manter a fachada para os filhos e os de fora de casa. Portanto, o Diogo largou a vida que tinha e de que não gostava para abraçar uma fase nova com a mulher pela qual se tinha apaixonado. E não era o desgosto da ex-mulher que o deixava inquieto, porque ela não o tivera. Aceitou bem a separação, até lhe disse que há muito que já não o amava, que tinha tido um amante há uns anos e que só não o deixara porque fora cobarde.
Seriam amigos, sim, não via razões para que deixassem de manter a boa comunicação que sempre tiveram. Essa confissão da ex-mulher foi algo que magoou o orgulho masculino do Diogo; não obstante, entendeu que seria natural que a mulher tivesse procurado prazer líquido longe do deserto em que a cama deles se tinha transformado. O dilema do Diogo era outro.
Agora que obtivera o objecto de desejo, percebia que a inquietação não passara. Pensando bem e recuando no tempo, nunca se sentiu calmo, nem mesmo quando era criança. Se por exemplo o chamavam ao quadro na escola, tremia e tinha vontade de chorar, e uma vez até urinou pelas pernas abaixo perante um problema de Matemática que lhe parecia insolúvel, embora tivesse conseguido resolver outros problemas. A sua inquietação vinha de longe, já em criança tinha a ambição de dar conta de tudo. Por isso, não entende porque é que sequer pensou que o seu desassossego passaria ao deixar o lar. Estava destinado à turbulência interna.
Nesses dias em que esteve praticamente fechado no quarto com o seu novo amor, tornou-se ainda mais inquieto. Sentia-se incapaz de fazer sexo, o seu corpo não reagia. “Sem uma performance de jeito no início de um romance, não há amante que aguente”, pensou, e sentiu-se mais aflito do que antes. Ia ser abandonado pela nova mulher e não poderia voltar para a anterior. Panicou e estremeceu durante aqueles dias. A sua nova companheira, uma rapariga mais jovem e descontraída, que estava profundamente apaixonada por ele, apercebeu-se do estado de pressão a que o homem se estava a sujeitar.
“É preciso descontracção nos ossos da bexiga”, disse-lhe a rir na cama do hotel, achando que a graça aliviaria o ambiente e ergueria o ânimo de certos membros. Só que não. O homem mostrou-se extremamente ofendido. Levantou-se da cama e começou a arrumar as coisas preparando-se para partir. Sem saber o que fazer, a rapariga pediu desculpa, embora não tivesse tido qualquer má intenção, tratava-se de uma piada. Tentou agarrá-lo mas o homem, mais inquieto do que nunca, teve dificuldade em permanecer diante da mulher que, no seu entender, o tinha ridicularizado. Pegou na mala e partiu, levando a inquietação consigo, contagiando a mulher que ali deixou no quarto de hotel com o mesmo estado de espírito. Nunca mais se viram.