Tony Blair critica retirada “trágica, perigosa e desnecessária” do Afeganistão
Antigo primeiro-ministro do Reino Unido diz que a decisão foi tomada “em resposta a um slogan imbecil sobre o fim de ‘guerras perpétuas’”, e acusa os EUA de terem a sua política externa refém das divisões entre a direita e a esquerda.
Num artigo muito crítico da retirada dos EUA do Afeganistão, o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, um dos líderes internacionais que apoiaram a invasão do país em 2001, afirma que o regresso dos taliban ao poder vai ter graves consequências para o Ocidente. E aponta a “consistência” da Rússia no apoio ao regime de Bashar al-Assad, na Síria, como o exemplo oposto da “politização da política externa que está a atrofiar o poder dos EUA”.
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Num artigo muito crítico da retirada dos EUA do Afeganistão, o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, um dos líderes internacionais que apoiaram a invasão do país em 2001, afirma que o regresso dos taliban ao poder vai ter graves consequências para o Ocidente. E aponta a “consistência” da Rússia no apoio ao regime de Bashar al-Assad, na Síria, como o exemplo oposto da “politização da política externa que está a atrofiar o poder dos EUA”.
“O abandono do Afeganistão e do seu povo é trágico, perigoso e desnecessário”, começa por dizer o antigo chefe do Governo britânico, do Partido Trabalhista, e presidente executivo do Instituto Tony Blair para a Mudança Global.
“Foi uma escolha nossa, em resposta a um slogan político imbecil sobre o fim ‘das guerras perpétuas’, como se o nosso compromisso em 2021 pudesse ser remotamente comparável ao nosso compromisso de há 20, ou de há dez anos”, diz Blair, salientando que “o número de tropas foi reduzido para um mínimo e nenhum soldado aliado perdeu a vida em combate nos últimos 18 meses”.
Blair, que foi muito criticado por ter apoiado e incentivado a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, compara os perigos do “islão radical” aos do “comunismo revolucionário”, para dizer que o Ocidente parece ter perdido “a sua determinação” na defesa de valores que eram antes consensuais.
“No passado, reconhecemos o comunismo revolucionário como uma ameaça de natureza estratégica, que exigia ser confrontada tanto em termos ideológicos como em termos de medidas de segurança. Esse compromisso durou 70 anos”, diz Blair, referindo-se ao período entre a revolução russa e a queda do Muro de Berlim, em 1989.
“Durante todo esse tempo, nunca nos ocorreu dizer que estávamos naquilo há demasiado tempo e que tinha chegado a hora de desistirmos.”
Determinação de Putin
Em comparação, o antigo primeiro-ministro britânico dá o exemplo da reacção da Rússia de Vladimir Putin às revoluções da Primavera Árabe, há uma década – um momento histórico que levou o Kremlin “a perceber que os seus interesses estavam em jogo”.
“Em particular, na Síria, ele [Putin] acreditou que Assad devia manter-se no poder. E enquanto o Ocidente hesitou, e depois acabou por ter o pior de dois mundos – a recusa em negociar com Assad e não fazer nada para o tirar do poder, mesmo quando usou armas químicas contra o seu próprio povo –, Putin aplicou-se”, diz Blair.
“Apesar de ele ter agido em apoio de uma ditadura, e de nós termos agido para suprimir uma ditadura, foi ele – juntamente com os iranianos – quem alcançou os seus objectivos. Da mesma forma, apesar de nós termos derrubado o Governo de Khadafi na Líbia, é a Rússia, e não nós, que tem influência sobre o futuro do país.”
A forte crítica de Blair à forma como a política externa dos EUA tem sido conduzida nos últimos anos leva-o a deixar um conselho à esquerda e à direita, num país onde o apoio à retirada do Afeganistão é significativo da esquerda à direita – no Partido Republicano, no Partido Democrata e entre os eleitores que se declaram independentes.
“É necessário que partes da direita na política percebam que o isolacionismo num mundo interligado é autodestrutivo, e que partes da esquerda aceitem que o intervencionismo é por vezes necessário para defender os nossos valores.”