Taliban andam “de porta em porta” em busca de funcionários do antigo Governo
Relatório de um grupo independente norueguês que produz relatórios para a ONU diz que a ameaça contra ex-funcionários e colaboradores dos EUA “é claríssima”, apesar das promessas em público de tolerância e amnistia.
Ao mesmo tempo que os taliban mostravam ao mundo, numa conferência de imprensa, na terça-feira, uma nova face que prometia ser mais tolerante, alguns dos seus combatentes andavam em Cabul em busca de ex-funcionários do anterior Governo e de afegãos que colaboraram com o Exército dos EUA.
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Ao mesmo tempo que os taliban mostravam ao mundo, numa conferência de imprensa, na terça-feira, uma nova face que prometia ser mais tolerante, alguns dos seus combatentes andavam em Cabul em busca de ex-funcionários do anterior Governo e de afegãos que colaboraram com o Exército dos EUA.
A denúncia surge num relatório de um grupo norueguês independente que faz avaliações de riscos de segurança para a Organização das Nações Unidas — o Centro Norueguês de Análise Global.
Num documento com quatro páginas, divulgado na quinta-feira, o grupo inclui uma carta assinada pela Comissão Militar do Emirado Islâmico do Afeganistão, que terá sido entregue pelos taliban à família de um especialista em contra-terrorismo no antigo Governo afegão.
“Se você não se apresentar a esta comissão, os seus familiares serão detidos e a responsabilidade será sua. Você e os seus familiares serão tratados com base na sharia [a lei islâmica]”, diz a carta, segundo a tradução do grupo norueguês.
Ameaça “claríssima"
Em declarações à BBC, o director do Centro Norueguês de Análise Global, Christian Nellemann, disse que “a ameaça dos taliban é claríssima”.
“Os taliban estão à procura de um grande número de indivíduos, e há documentos escritos em que eles ameaçam deter, interrogar e punir os familiares das pessoas que querem apanhar.”
Segundo a análise – que foi entregue à ONU e distribuída pelos media internacionais –, os taliban “estão a intensificar a sua caça a todos os indivíduos e colaboradores do antigo regime”.
“As pessoas que correm mais riscos são os antigos altos funcionários das forças armadas, da polícia e das unidades de investigação”, diz o grupo.
Um representante da ONU, citado pela agência Reuters sob anonimato, recusou-se a fazer comentários sobre o conteúdo do relatório e disse apenas que “a análise em causa não foi feita pelas Nações Unidas”.
Num outro caso que reforça os sinais de contradição entre as promessas de maior tolerância que os taliban têm feito em público e as suas acções no terreno, um antigo membro das forças de segurança do Afeganistão disse à agência Reuters, na quinta-feira, que o movimento fundamentalista islâmico está na posse de “documentos secretos de segurança nacional”.
Segundo a mesma fonte, os ficheiros do anterior Governo dão aos taliban a informação de que precisam para identificar e deter os seus principais alvos — os antigos agentes dos serviços secretos afegãos e os colaboradores dos EUA e dos restantes aliados da coligação internacional que ocupou o país nos últimos 20 anos.
Protestos no Dia da Independência
Nos últimos dias têm-se registado manifestações contra os taliban em algumas zonas do país, em particular na zona Leste, na fronteira com o Paquistão.
Sendo, antes de mais, manifestações para marcarem o aniversário da independência do Afeganistão do domínio britânico, em 1919, são também protestos contra os fundamentalistas islâmicos e de apoio ao anterior Governo.
A imagem de marca destes protestos é a ostentação da antiga bandeira nacional do Afeganistão, que os taliban substituíram pela sua bandeira branca.
Em duas cidades do Leste, Asadabad e Jalalabad, há relatos de que os taliban dispararam contra os manifestantes e que pelo menos três pessoas morreram.
“Também houve alguns protestos isolados em Cabul, com as pessoas — incluindo mulheres — a descerem as ruas com a antiga bandeira perante os olhares dos combatentes taliban”, disse a repórter Charlotte Bellis, do canal Al-Jazira. “A palavra de ordem é ‘A nossa bandeira é a nossa identidade.”