Apoio dos EEA Grants garante Centro de Artes Náuticas de Vila do Conde
Assinado o contrato para o financiamento de 750 mil euros, a seca do bacalhau vai ser reconvertida para reabrir, até Abril de 2024, como museu dedicado a esta actividade e à construção naval de madeira e um centro de formação para jovens carpinteiros navais
As filas de varais enferrujados junto à foz do rio Ave, na Avenida Marquês de Sá da Bandeira, são vestígios do tempo em que muitas mulheres de Vila do Conde, da Póvoa de Varzim e de concelhos limítrofes estendiam o bacalhau ao sol a secar, como se fosse uma peça de roupa, para depois ser vendido. Enquanto elas se ocupavam do peixe nos secadouros, os homens trabalhavam nos armazéns, onde não só apoiavam a própria secagem do bacalhau, como desenhavam embarcações, primeiro ligadas à pesca do bacalhau, depois arrastões e traineiras. O antigo complexo industrial, edificado em meados dos anos 1950 e activo até ao final da década de 1990, permaneceu inutilizado nas últimas décadas, mas deverá abrir portas como Centro de Artes Náuticas (CAN) até Abril de 2024, “na pior das hipóteses”, revela Pedro Brochado de Almeida, coordenador do Gabinete de Arqueologia Municipal.
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As filas de varais enferrujados junto à foz do rio Ave, na Avenida Marquês de Sá da Bandeira, são vestígios do tempo em que muitas mulheres de Vila do Conde, da Póvoa de Varzim e de concelhos limítrofes estendiam o bacalhau ao sol a secar, como se fosse uma peça de roupa, para depois ser vendido. Enquanto elas se ocupavam do peixe nos secadouros, os homens trabalhavam nos armazéns, onde não só apoiavam a própria secagem do bacalhau, como desenhavam embarcações, primeiro ligadas à pesca do bacalhau, depois arrastões e traineiras. O antigo complexo industrial, edificado em meados dos anos 1950 e activo até ao final da década de 1990, permaneceu inutilizado nas últimas décadas, mas deverá abrir portas como Centro de Artes Náuticas (CAN) até Abril de 2024, “na pior das hipóteses”, revela Pedro Brochado de Almeida, coordenador do Gabinete de Arqueologia Municipal.
O projecto, anunciado pela Câmara Municipal de Vila do Conde (CMVC) em 2020, vai englobar um núcleo museológico relacionado com a secagem do bacalhau e a construção naval de madeira e um centro de formação dedicado a esta secular arte que funcionará, simultaneamente, como uma unidade de produção artesanal de embarcações até aos cinco metros de comprimento e plataforma de intercâmbio para construtores navais nacionais e internacionais.
Obras começam em 2022
No início do mês, a autarquia deu um importante passo para avançar com a reabilitação e reconversão do edifício principal do antigo núcleo de armazéns e dos estendais adjacentes: assegurou um financiamento dos EEA Grants, programa de financiamento plurianual criado pela Islândia, pelo Liechtenstein e pela Noruega para o espaço económico europeu, no valor aproximado de 750 mil euros. A candidatura do Centro de Artes Náuticas, uma de seis, no total de 28, a ver aprovado o acesso aos fundos dos EEA Grants Portugal, surgiu no âmbito do projecto Vila do Conde – Um Porto para o Mundo, “que pretende salvaguardar as técnicas de construção e reparação naval de madeira de Vila do Conde”, contextualiza Ivone Pereira.
A responsável, que está à frente do projecto com Pedro Almeida, considera que a criação do CAN espelha a vontade do município em “manter essa memória viva” e “devolver à população o usufruto dessa zona” actualmente abandonada. Nesse sentido, o financiamento conseguido é uma peça fundamental do projecto, mas “cobrirá menos de 50% da totalidade do investimento que a Câmara vai efectuar”, detalha o arqueólogo. Não arrisca precisar números, pois o orçamento final poderá variar de acordo com “as subidas dos preços [dos materiais] da construção civil”.
Certo é que “todas as acções que o projecto contempla, quer infra-estruturas, quer acções imateriais, têm de ter concluídas” até ao primeiro trimestre de 2024. O início das obras deverá acontecer no próximo ano. Neste momento, feito o projecto de arquitectura, está a decorrer o “processo de aquisição de serviços para execução do próprio edifício e dos arranjos exteriores”. O edifício não deverá sofrer grandes alterações, excepto “um conjunto de portas e janelas que serão rasgadas para torná-lo funcional” e um “telheiro que vai fazer uma espécie de alpendre numa das partes voltadas à antiga casa do risco [assim chamada por ali se desenharem projectos de barcos, no chão], com uma porta por onde vai ser possível fazer entrar e sair pequenas embarcações para a área expositiva”, elabora Pedro Almeida.
Intercâmbio de embarcações
A par do núcleo museológico, o centro de formação de construção naval de madeira será o grande destaque do espaço, cujas actividades serão desenvolvidas em parceria com escolas e estaleiros vila-condenses. Esta “escola viva”, assim chamada por Ivone Pereira, pretende “formar jovens que eventualmente vejam ali uma oportunidade de emprego real”, não para competir com os estaleiros da cidade, mas para, “aliada a um projecto museológico, criar mão-de-obra especializada que possa ter aplicabilidade no terreno e que seja útil ao tecido empresarial que existe e que precisa urgentemente dela”, comenta o arqueólogo.
O Centro de Artes Náuticas pretende, com a oficina, “mediar estes dois mundos”, através da construção de outro tipo de embarcações que não o trabalhado tradicionalmente pelos estaleiros, “por exemplo barcos de pesca tradicional que já desapareceram, como as catraias”, mas cujas técnicas correspondam à matriz identitária dos estaleiros da cidade.
Mais que um lugar “onde a comunidade possa expressar os seus saberes”, esta será uma plataforma de partilha acerca da construção naval portuguesa e estrangeira, prevendo-se, por exemplo, acções como a finalização da construção de uma embarcação tradicional norueguesa na oficina portuguesa e vice-versa, sendo que o país anfitrião ficará com a embarcação do país convidado. No futuro, a ideia é alargar a experiência a diversas latitudes, para que se perceba “como a construção naval pode diferir de sítio para sítio”. Afinal, “o mar é um local de partilha”.