Taliban conquistam décima capital de província, a caminho de Cabul
Relatos de castigos cruéis à medida que os “estudantes de teologia” avançam no seu controlo do país. A última capital de província a cair foi Ghazni, a 150 km da capital afegã.
Os taliban tomaram esta quinta-feira a cidade de Ghazni, localizada a 150 km da capital, Cabul, a décima capital de província que conquistam numa semana.
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Os taliban tomaram esta quinta-feira a cidade de Ghazni, localizada a 150 km da capital, Cabul, a décima capital de província que conquistam numa semana.
“Posso confirmar que Ghazni caiu esta manhã nas mãos dos taliban. Assumiram o controlo de áreas chave da cidade: o gabinete do governador, a sede da polícia e a prisão”, disse à agência de notícias francesa AFP o chefe do conselho provincial de Ghazni, Nasir Ahmad Faqiri, acrescentando que ainda havia combates a decorrer em algumas zonas.
Os taliban lançaram uma grande ofensiva contra as forças do Governo de Cabul no início de Maio, após o anúncio da retirada final das forças internacionais do Afeganistão, que deve estar concluída no final deste mês.
A perda de Ghazni é um duro golpe para o Governo, já que a cidade está numa estrada principal que liga Cabul ao Sul do Afeganistão.
À medida que vão conquistando território a ritmo diário, dezenas de milhares de afegãos deixaram as suas casas, e centenas foram mortos ou ficaram feridos nas últimas semanas. Alguns, segundo a Human Rights Watch, foram vítimas de execução sumária apenas por colaborarem com o Governo do país.
O jornalista da BBC Secunder Kermani entrevistou alguns responsáveis dos taliban. Ainuddin, antigo professor numa madrassa (escola religiosa), que é agora um comandante regional, explicou a razão das execuções sumárias de quem é do governo: “Eles não desistem da cultura ocidental. Por isso temos de os matar.”
O jornalista foi levado por uma comandante Haji Hekmat por uma visita à cidade de Balkh: os taliban querem mostrar como a vida do dia-a-dia continua. Mostrou raparigas a ir à escola (noutros locais há relatos de que os taliban estão a impedir as raparigas de ter aulas) e o bazar está cheio de homens e também de mulheres (embora todas estejam de burqa, o traje que cobre todo o corpo, cabelo, cara, deixando apenas uma rede na zona dos olhos). O comandante taliban alega que não há obrigação e que o movimento apenas diz que é assim que as mulheres se devem vestir.
As rádios locais, que misturavam canções religiosas com outros êxitos, passam agora só música religiosa. Há relatos de um homem apanhado a ouvir música no bazar: terá sido obrigado a andar, descalço, sob o sol forte, até desmaiar. O comandante nega que tenha existido esse castigo.
O jornalista da BBC diz que o grau de inflexibilidade depende, muito, dos próprios comandantes locais. O que o guia quer claramente mostrar uma face menos estrita. A dada altura aponta para alguns dos seus combatentes, notando: “alguns nem têm barba!”
A visão estrita da religião dos taliban está por vezes alinhada com a de alguns afegãos mais conservadores, acrescenta o jornalista, mas à medida que o grupo controlar cidades maiores, onde a atmosfera social é mais relaxada, a situação será diferente.
Em Mazar-i-Sharif, a única grande cidade do Norte que ainda está nas mãos do Governo de Cabul, o repórter encontrou sobretudo medo sobre o que poderá significar ficar de novo sob domínio taliban, especialmente para liberdades que a geração mais nova, que não viveu no regime anterior dos “estudantes de teologia”, como são chamados, conheceu.
O regime taliban que esteve no poder entre 1996 e 2001, controlando praticamente dois terços do Afeganistão, até à invasão militar liderada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de Setembro em Nova Iorque e Washington, ficou conhecido pelos abusos de direitos humanos, castigos brutais e interpretação radical da sharia (lei islâmica).