Os infelizes comentários sexistas nos Jogos Olímpicos

Os adjectivos criam a imagem do atleta, o peso dos homens é o exemplo da força, as mulheres ou são um monstro, gordinhas ou lindíssimas e o olhar masculino dos comentadores continua a moldar as expectativas e os sonhos das raparigas e mulheres que, a partir de casa, pretendem um dia competir nos Jogos de amanhã.

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Reuters/DYLAN MARTINEZ

Uma vez de volta a casa depois de um ano por inteiro lá fora e ainda incrédulos da nossa sorte, recuperamos as forças e os sentidos no conforto do lar, enquanto assistimos em família aos Jogos Olímpicos de Tóquio. Pela vontade de ver desporto e celebrar o desporto, pela competição cujo nível se reflecte na intensa dedicação dos atletas, há tanto afastados dos palcos mundiais mas com uma alegria e emoção proporcionais à nossa alegria e emoção a assistir em casa.

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Uma vez de volta a casa depois de um ano por inteiro lá fora e ainda incrédulos da nossa sorte, recuperamos as forças e os sentidos no conforto do lar, enquanto assistimos em família aos Jogos Olímpicos de Tóquio. Pela vontade de ver desporto e celebrar o desporto, pela competição cujo nível se reflecte na intensa dedicação dos atletas, há tanto afastados dos palcos mundiais mas com uma alegria e emoção proporcionais à nossa alegria e emoção a assistir em casa.

Queremos ver as competições, temos interesse, mas esta sexta-feira de manhã não conseguimos, fruto dos comentários proferidos na RTP. Comecemos pelo judo, disciplina na qual os combates se fazem em categorias de peso dos atletas e onde os judocas masculinos, em primeiro no tatami, são descritos como “gigantes” e “poderosos” e até aqui tudo bem.

Mas se até aqui tudo bem, porquê a referência directa ao peso das judocas femininas ao afirmar como Iryna Kindzerska, judoca do Azerbaijão, pesa mais de 78 quilos e “a de etnia chinesa” também? De igual modo, e por isso o uso de aspas, “a de etnia” tem nome, Xu Shiyan, atleta essa de nacionalidade, e não etnia, chinesa. Durante o combate, ouvimos o comentário: “Xu conseguiu livrar-se daquele monstro em cima dela” e aqui começam a franzir os sobrolhos de quem assiste.

Ao judo segue-se o atletismo e o triplo salto. A Keturah Orji, atleta dos Estados Unidos, não lhe corre bem o salto por estar “um pouco para o gordinha, passo a expressão”; neste momento, das duas uma: ou estamos a ver o mundo ao contrário ou algo está fundamentalmente errado nestes comentários.

Segue-se Evelise Veiga, atleta portuguesa, “nascida na Praia, Cabo Verde, representa o Sporting e, de facto, uma atleta lindíssima, como é evidente pelas imagens e, claro, a câmara não deixa de a focar”. Entenda-se por “focar” a imagem constante das nádegas de Evelise, a qual tenta a custo cobrir o corpo puxando os curtos calções para baixo e ninguém, mas absolutamente ninguém, quer saber qual a opinião dele sobre a beleza de Evelise.

Os adjectivos criam a imagem do atleta, o peso dos homens é o exemplo da força, as mulheres ou são um monstro, gordinhas ou lindíssimas e o olhar masculino dos comentadores continua a moldar as expectativas e os sonhos das raparigas e mulheres que, a partir de casa, pretendem um dia competir nos Jogos de amanhã.

A linguagem é de exclusão e nunca usada contra o atleta masculino. Às mulheres, o palco atingido na luta pela igualdade é rapidamente denegrido em nome da objectificação e de um ideal de beleza caduco e inadmissível num mundo onde o desporto e o atleta devem ter a primazia.  Se depender destas visões redutoras, as mulheres estarão condenadas a escolher as modalidades em função da aparência e sempre a aparência e a mulher será sempre a vítima da estética, elegante e leve até prova em contrário.

Assistir a estes jogos e a estes comentários foi assim uma ofensa, desnecessária mas presente, subtil mas real e, esperamos, irrepetível, por isso estas palavras, por isso este desabafo. Até porque comentadores há muitos e Jogos muito mais. O entusiasmo mantém-se mas a esperança também, a esperança na aprendizagem por um mundo e uma visão do mesmo verdadeiramente iguais.