A pandemia tem um oponente à sua altura: as Artes
É altura de ganharmos uma certa audácia e iniciar a busca por respostas mais radicais que nos obriguem a alterar hábitos. Em conjunto com a política, a Cultura é a resposta para a mudança de paradigma.
Escrevo com alguma inquietude. Algum desgosto, até. Ainda que a Ciência e a Tecnologia estejam a provar – aliás, como sempre o fizeram – o seu mérito, a pandemia teima em persistir. Teima em escoltar-nos para onde quer que nos desloquemos e teima em acompanhar tudo aquilo que fazemos. Mais de um ano se passou, e também as barreiras impostas pela pandemia insistem em não dar tréguas. Os hábitos da sociedade mudaram e, agora, é a incerteza que parece reinar, conjuntamente com a solidão e com o medo. Meus caros, falta Arte e Cultura.
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Escrevo com alguma inquietude. Algum desgosto, até. Ainda que a Ciência e a Tecnologia estejam a provar – aliás, como sempre o fizeram – o seu mérito, a pandemia teima em persistir. Teima em escoltar-nos para onde quer que nos desloquemos e teima em acompanhar tudo aquilo que fazemos. Mais de um ano se passou, e também as barreiras impostas pela pandemia insistem em não dar tréguas. Os hábitos da sociedade mudaram e, agora, é a incerteza que parece reinar, conjuntamente com a solidão e com o medo. Meus caros, falta Arte e Cultura.
A vida está assustadoramente diferente. Estamos a passar por um isolamento emocional que está a criar consequências perturbadoras. A ideia de futuro tem vindo a estreitar-se, ao longo do tempo. Sentimos receio por nós e pela nossa família, não só pela saúde, mas por tudo aquilo que esta estranha conjetura que estamos a viver acarreta. E termos de enfrentar toda esta incerteza de uma maneira tão negativamente solitária e autoimposta é difícil. Todas estas barreiras vieram influenciar a nossa forma de estar e de nos relacionarmos uns com os outros. A nossa natureza transformou-se, não para melhor. Confesso que me aflige esta nova dimensão animalesca que tantos começam a atingir. Um estado de “salve-se quem puder”, se preferirem.
Não há união, nem diálogo. Falta pensar em cooperação, acredito. Sinto uma escassez de empatia e de associativismo que em nada nos é benéfica. É urgente que reservemos algum tempo da nossa vida social – quem sabe, até da vida profissional – para estarmos uns com os outros e para conversarmos. Devemos, em conjunto, encontrar soluções. O apelo associativo parece-me absolutamente fundamental para quebrar as barreiras que a pandemia nos colocou. Abstenhamo-nos da nossa individualidade e tentemos olhar para o coletivo. São as Artes que têm de demonstrar este espírito e que devem alimentar a escultura social, e os artistas devem arranjar métodos para criar empatia e ajudar quem necessita.
Por outro lado, a Cultura deve adaptar os formatos que utiliza para recuperar o trabalho sobre as emoções. O medo, a capacidade de expormos o nosso íntimo e as nossas fragilidades são conceitos que precisam de ser explorados através dos espetáculos. Antonin Artaud, poeta e dramaturgo francês, viu no teatro de Bali uma resposta às suas inquietações sobre o rumo que as Artes estavam a tomar. Neste país oriental, o teatro servia para enfrentar o medo. Através de marionetas com figuras de dragões, fantasmas, monstros, o público era verdadeiramente exposto à dimensão do fantástico e do terror. Servia como um desafio aos espetadores. A beleza destas artes é que eram vividas em conjunto, de mãos dadas pelo público. Os espetáculos devem funcionar como um abraço que mergulha a fundo nas nossas emoções. Por isso, os formatos mais usuais já não têm o mesmo impacto, quando as barreiras continuam a inquietar-nos. A Cultura tem de ser um diálogo. É preciso dar voz aos nossos temores e falar sobre soluções. Reforço que este trabalho não tem de ser feito dentro de uma sala. A natureza chama por nós, permite que o nosso corpo interior se alargue. Adicionem-se as expressões corporais e a música a este trabalho, conjuguem-se as disciplinas. Os espetáculos e as Artes funcionam como antenas, ou satélites, que captam o que cada um está a viver e a sentir. A emoção social tem de se fazer anunciar. Isto ajudará a que consigamos sair mais rápido e com menos feridas da pandemia.
A nossa cultura é feita de um acumulado de experiências e de comunicação com a natureza. Lamentavelmente, mas com razão, a natureza está a responder-nos através de catástrofes naturais e a dizer-nos que os hábitos que nos são, agora, intrínsecos têm de ser alterados. As Artes e a Cultura têm de se erguer e lutar contra o peculiar consumismo que todos demonstram ter. Há um consumo exagerado que está a impedir o universo de respirar, e a pandemia veio acentuar isto mesmo. Tem de haver uma política de entendimento de que há uma aprendizagem da nossa relação com os recursos disponíveis. A Ciência traz-nos uma série de respostas, mas, parece-me, tem-nos levado a grandes confrontos com o chão que pisamos, com o ar que respiramos e com o mundo no qual habitamos. As Artes abrem um caminho à necessária mudança de hábitos que se tem de impor, logo, deverá haver um maior investimento na Cultura.
É urgente conjugarmos a nossa dimensão animal com a dimensão da humanidade, para derrubarmos as barreiras que a pandemia impôs. Estamos a acelerar a resposta violenta e desequilibrada da natureza, e nenhum país, nem rico nem pobre, está imune. É altura de ganharmos uma certa audácia e iniciar a busca por respostas mais radicais que nos obriguem a alterar hábitos. Em conjunto com a política, a Cultura é a resposta para a mudança de paradigma. Temos de sentir a beleza e perceber que as Artes são uma porta aberta ao associativismo que tanta falta nos faz.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico