Apenas uma pergunta: porquê?

Dominada pelos ideais da juventude e do sucesso, a nossa sociedade apartou do seu seio tudo aquilo que possa contrariar essa imagem bonita por fora, mas podre por dentro.

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Christian Bowen/Unsplash

Hoje, 26 de Julho, celebra-se o Dia dos Avós. Sim, essas deliciosas criaturas de cabelos brancos cuja sopa comemos por ter sabor a carinho, que têm em si todo o tempo para nós e todo o conhecimento do mundo para nos oferecer, também têm o seu dia, apesar de frequentemente esquecido. Por isso, em consequência e homenagem a essas pessoas que tanto oferecem ao mundo, sinto a necessidade de fazer apenas uma pergunta: porquê? 

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Hoje, 26 de Julho, celebra-se o Dia dos Avós. Sim, essas deliciosas criaturas de cabelos brancos cuja sopa comemos por ter sabor a carinho, que têm em si todo o tempo para nós e todo o conhecimento do mundo para nos oferecer, também têm o seu dia, apesar de frequentemente esquecido. Por isso, em consequência e homenagem a essas pessoas que tanto oferecem ao mundo, sinto a necessidade de fazer apenas uma pergunta: porquê? 

A sociedade contemporânea vive uma época de profundas e aceleradas mudanças, muitas vezes imperceptíveis, mas sempre tão reais e cruéis. Contudo, fruto da velocidade a que ocorrem, nem sempre conseguimos perceber a degradação que essas transformações permitem e não encontramos tempo, disponibilidade ou lucidez para indagar o nosso “des-sentimento” perante estas alterações nefastas que frequentemente consentimos. O mundo em que vivemos deixa de ser o mundo em que deveríamos desejar viver!

O mundo a que deveríamos chamar casa ganha o significado contrário a este conceito e cada um de nós, progressivamente, se sente mais estranho perante tudo e perante a indiferença de todos. É nesta casa cada vez menos nossa que vemos e ouvimos, nos escaninhos da nossa estranheza e indiferença, o estridente grito de revolta e a dolorosa súplica daqueles que, em abandono e solidão, vão morrendo numa casa que não reconhecem nem os reconhece. São os nossos idosos, que têm o espírito cravado de sofrimento, a quem a nossa deslealdade perante o que é certo deitou nas valas da marginalidade e incompreensão. E vão morrendo sem encontrar senão a ausência dos seres humanos e a ausência de uma verdadeira vida.

Efectivamente, ouvimos incontáveis notícias de idosos isolados e abandonados e ignoramos esses acontecimentos com uma atrocidade repetitiva. Alguns morrem na solidão silenciosa que nem sequer lhes concedeu a decência de um adeus. Ao sabê-lo, no incomunicante silêncio do mundo, algo nos toca e nos move e, algures, algo nos impele a tentar perceber o porquê. Como cidadão, como ser humano, como filho e como neto, não posso deixar de sentir a consternada revolta que me leva, uma e outra vez, a questionar: porquê?

Fomos dominados pela negação e a nossa ética rege-se pelos valores da apatia e da indiferença. Dominada pelos ideais da juventude e do sucesso, a nossa sociedade apartou do seu seio tudo aquilo que possa contrariar essa imagem bonita por fora, mas podre por dentro. Recusamos olhar de frente a doença, a dor, a morte; desviamos os nossos olhos à passagem de idosos em dificuldades, não gostamos do cheiro dos hospitais, traumatizamo-nos com um funeral. Somos uma sociedade em negação e nesta negação daquilo que somos e seremos, acabámos por perder aquilo que nos tornava humanos. E deixámos de perceber que somos também (não agora, mas amanhã) aquele velho com que nos cruzámos no banco de um jardim.

Eis então o motivo por que os nossos velhos vão morrendo, pela calada da noite, sós entre a multidão. Desejaríamos que o estridente silêncio dessas mortes rasgasse de lucidez os poucos traços de decência que ainda temos. Que o estridente silêncio dessas mortes nos recorde que nós somos hoje os velhos de amanhã.