Cabo Delgado: as armas matam, a indiferença também

Nas localidades mais pequenas, sobretudo nos distritos de Palma e Muidumbe, os ataques diminuíram de intensidade, mas não cessaram; continuam os tiroteios, os raptos, os crimes de violação e os assassinatos de civis.

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Paulo Pimenta

A província moçambicana de Cabo Delgado é, desde 2017, alvo de ataques armados ligados a grupos jihadistas conhecidos localmente como al-Shabab. A complexidade e violência da situação, que não tinha merecido mais do que um olhar tímido, nosso e da comunidade internacional, ficou cruamente exposta no assalto à vila de Palma de 24 de Março deste ano, reivindicado pelo Daesh, e que vitimou dezenas de civis.

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A província moçambicana de Cabo Delgado é, desde 2017, alvo de ataques armados ligados a grupos jihadistas conhecidos localmente como al-Shabab. A complexidade e violência da situação, que não tinha merecido mais do que um olhar tímido, nosso e da comunidade internacional, ficou cruamente exposta no assalto à vila de Palma de 24 de Março deste ano, reivindicado pelo Daesh, e que vitimou dezenas de civis.

Nas localidades mais pequenas, sobretudo nos distritos de Palma e Muidumbe, os ataques diminuíram de intensidade, mas não cessaram; continuam os tiroteios, os raptos, os crimes de violação e os assassinatos de civis. Para além da destruição de postos de saúde e hospitais, escolas e habitações, o jornal moçambicano Domingo fazia as contas, em meados de Julho, aos estragos provocados na economia: contando os danos do que foi incendiado, vandalizado e saqueado, somava a perda de 400 empresas e 65 empreendimentos turísticos nos distritos de Quissanga, Macomia, ilha de Ibo, Palma e Metuge. Já quanto às vítimas, num número que pecará, provavelmente, por defeito, as autoridades moçambicanas estimam mais de 2800 mortos.

No início do mês de Abril de 2020, havia 172 mil pessoas deslocadas devido ao conflito. Um ano depois, de acordo com os dados do último relatório do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), seriam mais de 730 mil deslocados, um terço dos quais obrigado a fazê-lo mais do que uma vez - incluindo aqueles que procuraram asilo na Tanzânia, mas foram repatriados compulsivamente -, maioritariamente mulheres e crianças, incluindo menores desacompanhados. Acolhidos em Cabo Delgado, sobretudo em Pemba, nas províncias vizinhas de Nampula e Niassa, mas também em Sofala e na Zambézia, enfrentam todos os desafios da sobrevivência em comunidades já antes pressionadas pela escassez de recursos, agora agravada pelos efeitos da pandemia de covid-19, e a pobreza. E como se não bastasse, há ainda relatos que dão conta de abusos e maus-tratos pela polícia moçambicana e denúncias de que a ajuda humanitária não está a chegar a quem dela mais precisa.

Marcelo Rebelo de Sousa, como se noticiou aqui, ao doar o Prémio José Aparecido de Oliveira, que recebeu da CPLP, a organizações não-governamentais que operam em Cabo Delgado, fez a sua pequena parte para que se voltasse a olhar para estas vidas interrompidas. Antes, tinha sido o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação português a pedir o envolvimento de outros países da União Europeia e fora da Europa no apoio a Moçambique.

Vários organismos internacionais têm alertado para o subfinanciamento dos programas de ajuda humanitária, que não cobre mais do que 15% das necessidades reais dos deslocados, do mal já instalado da subnutrição e da “emergência de fome”, que sem mais dinheiro dos doadores se há-de instalar, em breve, entre todos e sem dó nem piedade.

Podemos deixar, como no poema de Craveirinha, tanta gente à espera de pouco mais do que “desapetitosos bifes de cascas guisados de raízes ao natural”, sem escapatória “à trouxe-mouxe da má sorte” de um conflito armado e da indiferença?