Números de telefone de duas princesas do Dubai constam da lista de spyware Pegasus

É o primeiro caso suspeito de uso pessoal do programa de espionagem Pegasus. A princesa Latifa, filha do emir do Dubai, e a ex-mulher, Haya Bint al-Hussain, poderão ter sido espiadas.

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A princesa Haya com o então marido, o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum ALI HAIDER/EPA

A investigação sobre o uso do software Pegasus poderá dar uma resposta a um mistério: como conseguiram as autoridades do Dubai localizar a princesa Latifa num barco saído de Omã a caminho do Sri Lanka em 2018? Latifa tinha deixado o seu telemóvel na casa de banho de um café, e foi depois escondida na mala de um carro, e de seguida num jipe, até ao porto, de onde seguiu, de mota de água, até a um iate. Foi um plano cuidadoso e parecia próximo de ter êxito quando, oito dias depois, o barco foi abordado por soldados das forças especiais dos emirados e a princesa levada de volta, temendo-se que esteja detida desde então.

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A investigação sobre o uso do software Pegasus poderá dar uma resposta a um mistério: como conseguiram as autoridades do Dubai localizar a princesa Latifa num barco saído de Omã a caminho do Sri Lanka em 2018? Latifa tinha deixado o seu telemóvel na casa de banho de um café, e foi depois escondida na mala de um carro, e de seguida num jipe, até ao porto, de onde seguiu, de mota de água, até a um iate. Foi um plano cuidadoso e parecia próximo de ter êxito quando, oito dias depois, o barco foi abordado por soldados das forças especiais dos emirados e a princesa levada de volta, temendo-se que esteja detida desde então.

Dados do projecto Pegasus - que investigam a utilização do software com o mesmo nome - mostram que dias depois da fuga, os números de telemóvel tanto de Latifa como de amigos próximos foram seleccionados pela empresa israelita NSO para serem objecto de vigilância. A empresa vende uma tecnologia descrita como de espionagem militar, que consegue infiltrar-se num smartphone mesmo que o utilizador não tenha qualquer acção e sem ser necessário que clique num link.

O consórcio de investigação Pegasus obteve a lista da empresa e jornalistas de todo o mundo, coordenados pela Forbidden Stories, organização que se dedica a conseguir financiamento para investigações deixadas incompletas por jornalistas assassinados ou ameaçados, e com apoio técnico da Amnistia Internacional, estão a investigar e publicar informação sobre quem estava na lista e quando os números foram introduzidos. 

A empresa NSO nega que a inclusão de um número da lista fosse uma indicação para que fossem objecto de vigilância.

A introdução do número não é, diz o consórcio de investigação, prova de uma infiltração com sucesso do sotftware. Mas o Security Lab, da Amnistia Internacional, examinou os dados de 67 telefones de números que estavam na lista e encontrou provas forenses da actividade do software em 37 dos aparelhos, incluindo 23 infectados com sucesso e 14 com sinais de tentativas. Os 37 mostravam ainda uma correlação entre a entrada na lista e o início da vigilância, às vezes de apenas poucos segundos, diz o Washington Post, que faz parte do Projecto Pegasus.

A presença do número da princesa Latifa é o primeiro caso de potencial uso pessoal do software. Os outros números que aparecem na lista são de jornalistas, por exemplo na Hungria ou França; de chefes de Estado e de Governo; e há na lista até um rei, o de Marrocos. Um dos telemóveis que mostrou vestígios de actividade do Pegasus foi o do antigo ministro francês do Ambiente François de Rugy, a prova já foi passada aos investigadores franceses que se debruçam sobre o caso. Um dos números do Presidente, Emmanuel Macron, também estava na lista.

Em 2019, aparecem na lista os números de outra princesa do Dubai, Haya bint al-Hussein, e do seu círculo. A princesa era uma das seis mulheres do xeque do Dubai Mohammed bin Rashid al-Maktoum, e o desentendimento com o ex-marido agudizou-se quando manifestou preocupação com o confinamento de Latifa. 

Haya começou então a temer pela sua segurança e fugiu para Londres com a filha então com 11 anos e o filho de nove. A filha do defunto rei Hussein da Jordânia conseguira um posto na embaixada da Jordânia e achava que a imunidade diplomática de que gozaria lhe permitira viver em segurança.

Nos dias e semanas após a saída do Dubai, começaram a aparecer na lista números de telefone: o da princesa, da sua meia-irmã, de assistentes, e de elementos da sua equipa legal e de segurança, diz o Post. A altura coincidiu com o envio de ameaças e a princesa chegou mesmo a encontrar duas vezes uma arma posta na sua cama.

Um dia, um helicóptero aterrou no seu jardim dizendo ter ordens para a levar para uma prisão no deserto, acabando por levantar de novo sem ela. O xeque disse que foi um mal-entendido.

A princesa acusou em tribunal o ex-marido de rapto, tortura e de uma campanha de intimidação. O xeque diz que resgatou a princesa Latifa de uma tentativa de rapto para extorsão, ainda que a própria Latifa tenha deixado um vídeo a dizer que escolheu fugir após anos de opressão e abusos. Do seu isolamento, Latifa ainda conseguiu enviar vídeos dizendo que estava trancada num quarto e não podia sequer ver o sol, vídeos que a sua campanha divulgou para pressionar para a sua libertação. A partir de dada altura, todo o contacto parou.

O tribunal deu como provadas as alegações de Haya bint al-Hussein, incluindo em relação à princesa Latifa. Ainda não houve uma decisão judicial sobre a custódia dos filhos.

Depois de anos sem aparecer em público, a princesa Latifa mostrou-se recentemente em dois posts em redes sociais. Tem declinado todos os contactos e a sua equipa legal pediu que a campanha pela sua libertação fosse suspensa.