Parkinson: tecnologia e precisão ao serviço do cérebro

Neste que é o Dia Mundial do Cérebro, 22 de julho, enalteço uma das técnicas neurocirúrgicas mais inovadoras das últimas três décadas — a eletroestimulação cerebral profunda, que permite quebrar a rigidez da musculatura, diminuir o tremor e baixar, significativamente, a necessidade de medicação e os seus efeitos secundários.

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Unsplash/HalGatewood.com

A ativação do nosso cérebro muda com cada coisa que pensamos ou sentimos, mas também com cada movimento que fazemos ou antecipamos. As conexões cerebrais são processadas mesmo em fases latentes sem movimentação voluntária ou são realizadas de forma “automática”: quando engolimos, tossimos ou nos protegemos de uma queda ou de um ataque inesperado.

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A ativação do nosso cérebro muda com cada coisa que pensamos ou sentimos, mas também com cada movimento que fazemos ou antecipamos. As conexões cerebrais são processadas mesmo em fases latentes sem movimentação voluntária ou são realizadas de forma “automática”: quando engolimos, tossimos ou nos protegemos de uma queda ou de um ataque inesperado.

Atualmente, são vinte mil os portugueses afetados pela doença de Parkinson, um transtorno crónico neurodegenerativo, que bloqueia os movimentos corporais e que resulta da diminuição intracerebral dos níveis de dopamina — um neurotransmissor que influencia não só as nossas emoções e aprendizagens, como também é determinante no comando e regulação da movimentação coordenada do corpo. A sua falta provoca a aparição dos sintomas cardinais da doença: lentidão de movimentos, marcada rigidez muscular, tremor em membros e cabeça e postura instável.

Há uns vinte anos que, em Portugal, os doentes parkinsónicos são operados por  eletroestimulação cerebral profunda, como é conhecida esta intervenção. É uma das técnicas neurocirúrgicas mais inovadoras das últimas três décadas e marcou uma fronteira definitiva no tratamento da doença de Parkinson.

Esta operação, de máxima precisão, envolve a colocação de dois minúsculos elétrodos (um por cada hemisfério) que vão atravessar um determinado núcleo cerebral de apenas 5 mm de comprimento, localizado na profundidade do encéfalo. Este implante será realizado sem abertura da caixa craniana, usando apenas dois pequenos furos e estando o doente acordado durante o procedimento. Só depois, e já sob anestesia geral, será feita a conexão com uns cabos ligados a um dispositivo específico, o neuroestimulador, alojado por baixo da pele do peito ou abdómen. Esta intervenção é extremamente minuciosa e precisa do trabalho conjunto de neurologistas e neurocirurgiões.

A ideia base consiste em enviar microimpulsos elétricos para determinados núcleos cerebrais com a finalidade de reequilibrar os circuitos neuronais responsáveis pela alteração da função motora. Desta forma, consegue-se quebrar a rigidez da musculatura, diminuir o tremor e baixar, significativamente, a necessidade de medicação e dos seus efeitos secundários: oscilações motoras (como por exemplo, movimentos musculares involuntários e flutuações on/off durante os períodos em que o doente sente o efeito da medicação vs. quando deixa de fazer efeito). A estimulação é constante, mas a técnica é reversível e ajustável, podendo a sua potência ser regulada pelo especialista desde um tablet com mecanismo Bluetooth.

Convém esclarecer que a estimulação cerebral profunda (ou Deep Brain Stimulation, DBS) não está indicada em todos os pacientes parkinsónicos, mas apenas num subgrupo com longa trajetória de doença e que já não responde adequadamente à medicação convencional.

No passado ano, a atividade assistencial dos hospitais esteve de alguma forma condicionada aos ajustes subsequentes ao período de confinamento. Esta situação provocou uma certa desaceleração no ritmo das intervenções por DBS.

Cientes do consequente impacto no tratamento e qualidade de vida dos doentes, as equipas médicas tentaram reagir reforçando o apoio remoto aos doentes já operados, sobre aspetos da terapia médica ou estimulação. Vários avanços tecnológicos na bioengenharia aplicada à estimulação cerebral contribuíram para o melhor seguimento destes pacientes.

Antes, quando o médico encontrava dificuldades na adequada orientação terapêutica de um doente pela assimetria dos seus sintomas, pedia-lhe para apontar as manifestações que ia sentindo ao longo do dia, tal como se pede a um hipertenso para registar os valores da tensão arterial ou a um diabético os níveis de glicemia. Enquanto estes são valores numéricos objetivos, a complexidade das queixas parkinsónicas podem levar a erros de avaliação por parte do próprio doente.

Presentemente, já contamos com dispositivos que, para além de descarregar mini-impulsos elétricos, também fazem o registo eletrónico das variações dos sintomas ao longo do dia. Assim, atuam como um “gravador” de determinadas ondas cerebrais (beta) ao longo das 24 horas do dia. Isto acaba por se tornar num “diário digital personalizado da doença” e vai permitir ao médico ajustar o tratamento, e assim modular parâmetros de estimulação e medicação conforme as necessidades de cada paciente. No entanto, nem todos os doentes parkinsónicos parecem beneficiar por igual disto, como por exemplo acontece nos doentes com tremor predominante.

Nem sempre é preciso “matar moscas com tiro de canhão”

Outra inovação recente foi a dos chamados elétrodos cerebrais direcionais, que permitem “apontar” o feixe de corrente elétrica e focá-lo na área cerebral mais eficaz para minorar a doença. Mais uma iminente novidade da bioengenharia é o registo de atividade em closed-loop: o dispositivo, para além de enviar microestímulos elétricos, detetar e gravar as ondas de ativação da doença, irá classificá-las e terá a capacidade imediata de responder com os parâmetros de estimulação mais adequados à situação da pessoa nesse preciso momento. 

Estes avanços técnicos em conjunto com a aplicação da denominada “inteligência artificial” (análise exaustiva de bancos de dados para recriar ordens específicas e toma de decisões de forma autónoma) virão, sem dúvida, potenciar os resultados clínicos obtidos pela cirurgia DBS.

São progressos tecnológicos que começaram recentemente a estar disponíveis nos centros neurocirúrgicos nacionais de referência para estimulação cerebral profunda. Há, atualmente, seis hospitais públicos no país (no Porto, Coimbra e Lisboa) e um privado (Hospital CUF Tejo, em parceria com o Campus Neurológico Sénior - Torres Vedras) a desenvolver o programa cirúrgico DBS para doenças do movimento. O nível de experiência e qualidade técnica desenvolvido em Portugal é semelhante ao de qualquer centro internacional de referência, com resultados clínicos em tudo comparáveis. Existem cerca de 1200 portugueses portadores de um sistema de DBS.

A melhor sugestão para doentes e famílias encontrarem a orientação mais adequada ao seu caso é que consultem o seu médico especialista para saber se o seu perfil clínico poderia beneficiar deste tipo de intervenção. É de salientar que não é por ser da última geração que o equipamento será o mais apropriado a uma determinada situação. Nem sempre é preciso “matar moscas com tiro de canhão”.

A irrupção definitiva da “tecnoneurociência” faz prever um enorme potencial terapêutico quando aplicado a distúrbios neurológicos e psiquiátricos de difícil resolução. São desenvolvimentos recentes que nos conduzem a desafios futuros. Neste sentido, será primordial encarar a tecnologia como um meio mais do que um fim por si próprio.

Parece inevitável sermos seduzidos pelo brilho da inteligência artificial, mas nunca deixemos de “estimular” a luz natural da inteligência do ser humano.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990