Um Airbnb do teletrabalho? Start-up portuguesa prepara rede de escritórios em hotéis
A pandemia revolucionou o teletrabalho e a Krow prepara-se para revolucionar a ideia de escritório remoto: desenvolveu uma aplicação que permite escolher todos os dias um hotel diferente para trabalhar remotamente. A partir de Setembro com mais de uma dúzia de opções pelo país.
Já pensou como seria poder trabalhar durante a manhã a partir de um hotel como o Penha-Longa Resort, com a paisagem da serra de Sintra a servir-lhe de inspiração, e à tarde, antes de reunir com um cliente em Lisboa, acabar de escrever a proposta comercial no lounge do Sofitel Lisbon, na Avenida da Liberdade? Desde que o orçamento o permita, este teletrabalho de luxo vai ser mais fácil de gerir e, promete-se, mais em conta.
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Já pensou como seria poder trabalhar durante a manhã a partir de um hotel como o Penha-Longa Resort, com a paisagem da serra de Sintra a servir-lhe de inspiração, e à tarde, antes de reunir com um cliente em Lisboa, acabar de escrever a proposta comercial no lounge do Sofitel Lisbon, na Avenida da Liberdade? Desde que o orçamento o permita, este teletrabalho de luxo vai ser mais fácil de gerir e, promete-se, mais em conta.
É este mundo de possibilidades quase infinitas que a Krow quer implementar com um serviço de trabalho remoto feito a partir das unidades hoteleiras e que a startup designa de lifestyle offices. O conceito inspira-se em práticas existentes noutros países, nomeadamente nos Emirados Árabes Unidos, que Paulo Palha, co-responsável da empresa, visitou em 2019, juntamente com a esposa, Joana Balaguer, uma actriz luso-brasileira que é também a sua cara-metade neste negócio.
A ideia foi parar à lista de projectos com potencial do casal de empreendedores e ali permaneceu até ser repescada no final de 2020. O aparecimento do novo coronavírus acabou por ser determinante: “Se este conceito já fazia sentido antes, agora tem tudo para vingar”, diz o co-fundador da Krow à Fugas. A empresa fala mesmo que está em curso uma “revolução no trabalho” que a pandemia veio acelerar. O nome escolhido para o projecto – um anagrama de work – vinca isso mesmo: o mundo profissional está a ser virado do avesso e o teletrabalho está cada vez mais na ordem do dia.
Um estudo recente feito pela Buffer e AngelList, e citado pela Krow num comunicado, revela que 98% das pessoas que passaram a trabalhar em sistema remoto durante os confinamentos afirmam querer manter essa modalidade. Ou seja, a experiência de teletrabalho resultante da pandemia veio para ficar e os impactos vão ser profundos, vaticina Paulo Palha: “O trabalho remoto vai mexer com tudo. Vai descongestionar as cidades, alterar a forma como os bairros funcionam e diminuir a necessidade de comutação diária entre a casa e o local de trabalho.”
No entanto, se é verdade que há uma atracção cada vez maior pela possibilidade de trabalhar remotamente, o mundo doméstico nem sempre é o contexto adequado para tal, pelo menos para alguns teletrabalhadores: em geral, as pessoas confrontam-se muitas vezes com problemas de falta de espaço em sua casa, onde também se distraem facilmente e, pior que tudo, sentem-se isoladas do ponto de vista social: “muita gente diz que a casa em vez de um ‘home-office’ é um ‘hell-office'”, sintetiza o empresário. O desafio passa assim por perceber “como este trabalho remoto pode ter qualidade para as pessoas”, porque ele veio para ficar e “não será algo pontual, mas de médio e longo prazo”.
Hotéis abertos à comunidade
É aqui que entram os hotéis. Tradicionalmente, estas infra-estruturas estão associadas a dormidas, viagens e eventos corporativos. Contudo, o seu papel “na sociedade está a mudar”, vinca Paulo Palha e, no futuro, terão “que servir as comunidades locais” de forma a garantir ganhos de eficiência: “Os hotéis urbanos têm picos ao pequeno-almoço e a partir do final da tarde. No intervalo temos mesas, cadeiras, wi-fi, climatização, iluminação, staff, todo um conjunto de recursos que estão a ser desaproveitados. Porque não rentabilizá-los?”. Até porque cada vez que “alguém entra num hotel geram-se oportunidades: posso oferecer comidas e bebidas, serviços, locais para eventos, vender um fim-de-semana com a família. Há aqui uma ocasião que os hotéis podem abraçar”. Estes não deixarão de “ser o que sempre foram”, mas devem estar cada vez mais atentos, adianta o empresário, a este tipo de serviços complementares.
Em Dezembro de 2020, quando Paulo e Joana começaram a fazer os contactos exploratórios para o projecto, encontraram um sector “devastado pela pandemia” e “muitos semblantes carregados", recorda o responsável da Krow. Houve mesmo alguma dificuldade inicial em passar a mensagem, o que é natural, reconhece Paulo Palha, pois não existe grande abertura para “um conceito novo quando a tolerância ao risco é mínima”, como era o caso. Aos poucos, porém, a proposta começou a suscitar interesse e já aderiram 12 unidades hoteleiras, representativas de diversas regiões do país, havendo mais algumas em perspectiva.
Os responsáveis do sector, diz o empresário, começam a perceber que “o mercado está a transformar-se” e que é necessária “uma nova forma de trabalhar”. Pensar diferente é também cada unidade hoteleira olhar para as restantes não apenas em termos concorrenciais, mas também de complementaridade de ofertas: “Acho que a força está em agir numa lógica de rede. No nosso modelo, o cliente pode estar hoje em Cascais, amanhã em Lisboa, Évora, ou o que for. É aí que está a força da proposta para o usuário”.
Os serviços da Krow funcionam, para já, num sistema de assinaturas mensal, que permite aos clientes aceder à utilização de espaços de trabalho numa rede de hotéis espalhada pelo país, com diversas ofertas associadas como café, chá ou água em regime complimentary, wi-fi, descontos na compra de comida e bebida, e até, nalguns hotéis, entrada em ginásio e parque de estacionamento gratuitos. Adicionalmente, em cada local haverá uma caneca amarela à espera do cliente, que permite identificar os membros da Krow. “Queremos apostar no conceito de remote networking e construir uma comunidade. Vamos investir em eventos que juntem os vários clientes, porque todos temos essa necessidade de pertença”.
Neste momento, o projecto encontra-se ainda em fase de testes com alguns convidados e a partir de Setembro deverá arrancar em pleno. Nessa altura, será lançada em definitivo uma aplicação para telemóvel que permite a cada cliente fazer reserva para as vagas disponíveis nos hotéis e gerir a sua assinatura. “A nossa oferta não pretende ser um substituto do escritório. Não é para pessoas que queiram entrar às 9h e sair às 17h, ficando sempre no mesmo local”, clarifica Paulo Palha, para quem esta é uma característica que diferencia o sistema Krow das propostas habituais de coworking.
A desmaterialização das empresas
Paulo Palha, porém, quer ir ainda mais longe e pôr os empresários a repensar a sua forma de trabalhar: “Será que as empresas precisam de espaço físico, de escritórios que têm taxas de ocupação muito baixas? Muitas empresas estão a repensar as suas necessidades de metro quadrado de escritório”. A Krow pensou um produto especificamente para as empresas: uma subscrição para um grupo de trabalhadores (mínimo 3), que inclui o chamado team-day, um micro-evento para equipas que pode ter uma base ocasional ou regular e alternar de localização, com um pacote de produtos como coffee break, almoço, entre outros extras. A ideia é oferecer às organizações condições para estas aplicarem um modelo híbrido (que conjugue actividade presencial e remota).
Apesar de todo o trabalho já feito, Paulo Palha admite que há ainda um longo caminho a percorrer: “Os hotéis não são lugares de trabalho por excelência”. Estão preparados em termos ergonómicos para o lazer, mas não para o trabalho. É preciso fazer ajustes de mobiliário, facilitar acesso a tomadas, e acautelar toda uma panóplia de detalhes. O período da pandemia tem criado dificuldades acrescidas, porque os hotéis por vezes fecham e não sabem quando vão reabrir, uma sombra de incerteza que ainda não foi totalmente dissipada. Paulo Palha admite mesmo que foi um “bocadinho surrealista” lançar o projecto nestas condições. “Chegámos a visitar hotéis de lanterna na mão”, recorda.
Para o empresário, que trabalha remotamente desde 2009, este modelo já demonstrou, porém, que é capaz de reunir o melhor de dois mundos: “Às vezes sinto que trabalho bem em casa, mas noutras ocasiões quando me ponho a trabalhar a partir de fora parece que tenho ideias novas, que vejo as coisas de uma perspectiva diferente e consigo oxigenar a cabeça. Olhar para uma montanha, respirar ar puro, permite-me ver as coisas de outra forma. Por vezes, subestimamos isso, mas tem um impacto imenso”.