Paulo constrói nyckelharpas, o estranho instrumento sueco que Paredes adoptou

Paredes quer ser um dos centros europeus de ensino do instrumento tradicional sueco que “teve um revivalismo nos anos 1980”. Numa oficina “de um amadorismo muito sério”, um professor de informática atira-se a uma encomenda de quatro nyckelharpas.

Paulo Moreira tem no colo o que parece ser o elo perdido entre uma sanfona e um violino. Está sozinho numa sala revestida de madeira, mas o “caos sonoro” que exorciza mal pressiona a primeira tecla do curioso instrumento atira-o de imediato para a “acústica de um claustro de uma igreja” — um contratempo latente quando falamos da nyckelharpa, em tempos esconjurada como um “dos instrumentos do diabo”.

“Isto era um instrumento quase hard core”, ri-se o professor de Informática, que constrói instrumentos musicais nos tempos vagos. “O grande encanto está na revibração caótica, que é muito harmoniosa. Tocas uma nota, mas na realidade soam imensas. Quando me ponho aqui a tocar sozinho, as cordas vibram por todo o lado e estou a produzir um cocktail de sons incrível.”

Pelo chão do sótão da casa em Paredes, espalham-se violinos, violoncelos e guitarras sem cordas, braços ou donos. Na oficina improvisada, de “um amadorismo muito sério”, uma carcaça de um contrabaixo aguarda por dar corpo a som. Ao lado, aparentemente fora de tempo, estão os protótipos dos cordofones tradicionais suecos, também chamados ‘violas d’amor com teclas’, que dificilmente figurarão nos catálogos das lojas de música ou nos projectos urgentes de luthiers. Este, no entanto, tem uma encomenda de quatro para construir. 

Paulo Moreira está a construir nyckelharpas com duas filas de teclas, mais fáceis de tocar, para crianças e jovens entrarem em contacto com o instrumento “quase desaparecido até aos anos 1980” que o Centro Português da Nyckelharpa anda a dar a conhecer nas escolas. Sediado no Conservatório de Música de Paredes, e apoiado pela câmara do município na Área Metropolitana do Porto desde 2019, o centro tem um ensemble, dá aulas e está a preparar o quarto encontro internacional da nyckelharpa, com data prevista para Novembro, conta o fundador, Aires Montenegro. 

O ex-professor de Filosofia estudava violoncelo até ter ouvido o professor do conservatório a tocar nyckelharpa. “Fiquei encantado, entusiasmadíssimo”, recorda. “E mudei.” 

Com “maior expressão na Suécia, França, Itália e Alemanha”, é fácil manter actualizada uma lista ordenada de instrumentistas de nyckelharpa em Portugal. Esta enumeração existe mesmo, começa com o nome de Vasco Ribeiro Casais, compositor e multi-instrumentista por detrás de OMIRI (Seiva, Sopro, Dazkarieh) e é anotada pelo professor do conservatório, Sérgio Calisto.

Na oficina de Paulo Moreira, os “instrumentos enormes, estranhos, com teclas e cordas e que se tocam com um arco”, como se ri a descrevê-los, começam a ocupar cada vez mais espaço desde 2016. Antes, ocupavam-lhe a cabeça desde que os viu a ser tocados nos festivais Andanças e no Interceltique (muitas vezes acompanhado pelo bouzouki).

A primeira nyckelharpa que construiu partiu-se três vezes. “Fiz com muitas colagens, não com a técnica sueca que esculpem o corpo a partir de um grande pedaço de madeira. Tenho de tirar o máximo de madeira possível para ficar um bom som. Só que são 16 cordas a puxar”, diz, em jeito de justificação.

Está a pensar em como poderá “fazer uma nyckelharpa com um som português”, conta, um conceito difícil de definir. Na prática, e alegando “liberdade total de construção”, congemina uma versão do instrumento tradicional sueco “que permita sons mais agudos e que se vai aproximar bastante mais do fado”. “O meu objectivo é encaixar o leque da guitarra portuguesa”, confessa, timidamente, quando termina a improvisação a partir da Chamateia, balada açoriana no repertório de muitas tunas. 

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"Como vêem, é madeira por todo o lado", ri-se Paulo Moreira. Ben Derico
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Ben Derico

Na Tuna de Ciências da Universidade do Minho, ainda como estudante de Matemática e Ciências da Computação (e ainda enquanto Paulo “Braguesa”), era ele quem “tratava dos instrumentos e os levava às fábricas”. Autodidacta na música, aventurou-se na construção e restauro de instrumentos pela mesma razão que diz hoje haver “muitos novos artesãos”: “Por causa da necessidade de um passatempo para mexer as mãos, longe do computador.”

Onde é que Paulo Moreira vê espaço para a nyckelharpa em Portugal? A resposta parece óbvia: “Nos tocadores.” Especialmente numa população de ex-aprendizes desiludidos (e desafinados) que abandonaram as aulas do ensino integrado de música. “Com estes instrumentos chamados ‘temperados’, é muito fácil afinar. Os ex-violinistas frustrados, depois de terem aprendido técnicas de arco e dedilhação, quando pegam na nyckelharpa sentem muita facilidade em tocar”, garante. “Olha, experimentem.”