A mudança de paradigma está a começar
Como pôr o foco dos rankings noutro critério? É uma grande e larga montanha com muita pedra para partir, mas que pode muito valer a pena e, se assim for, mudar o paradigma atual.
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Já o sabíamos, sempre o soubemos! Agora que começa efetivamente a vir à tona onde se pode pagar para ter melhores notas, pode ser que se consiga ter abertura para começar a fazer outro tipo de seriação das escolas e dignificar a aprendizagem, a apropriação do conhecimento e o que se faz com ele.
Refiro-me ao colégio do qual a diretora foi suspensa alegadamente por inflacionar as avaliações finais. É um aviso à navegação. Quantos mais não terão ficado despertos com a notícia e começado a pensar em arrepiar caminho? Habitualmente sabemos que quando alguém reclama, há certamente mais dez com o mesmo motivo para reclamar. Quando um é sancionado, quantos mais haverá com motivos para o ser?
Não quero ir por este caminho, mas por outro que me parece bem mais salutar: a introdução de outros critérios de avaliação das escolas, outros rankings!
Recordo um ano, era ainda eu diretora pedagógica do Sagrado, em que não ficámos entre os 10 primeiros lugares — um ano mau, portanto —, e um pai disse-me no bar do colégio durante o pequeno-almoço: “Professora, não se incomode, aqui no colégio, o nosso ranking, é outro!”
Nunca mais esqueci aquela frase, a confirmar aquilo para o qual efetivamente trabalhávamos, e que era para que todos os alunos, sem excepção, dentro do que estivesse ao nosso alcance, conseguissem aprender e dar o melhor de si, tendo uma excelente retaguarda: família e colégio de mãos dadas. O nosso ranking, não era apenas do colégio, era de uma comunidade inteira.
Na realidade, numa escola, quando a motivação são as pessoas e as suas metas individuais, construindo o que é melhor para cada um e também, muitas vezes, para todos, o resultado académico sobressai; acontece inevitavelmente. Quando temos este sentido de pertença e comunhão de valores e modus operandi, a aprendizagem flui e a Vida acontece. Nos grandes feitos ou nos pequenos pormenores, mas acontece. Não somos do tamanho da nossa altura.
Aqui há cerca de pouco mais de um mês, participei num grupo de conversa com diversas pessoas ligadas e apaixonadas pela educação, uma espécie de tertúlia, onde um dos take aways foi exatamente esse: pôr o foco noutro critério, como seja um índice de felicidade e bem-estar. E o que quer isto dizer? O que significa? Como se pode medir? Com que indicadores? Quais podem ser as evidências mensuráveis deste tipo de critério? Quais são os critérios para se aferir o bem-estar? É uma grande e larga montanha com muita pedra para partir, mas que pode muito valer a pena e, se assim for, mudar o paradigma atual. Muitos estarão dispostos a colaborar, talvez até muitos daqueles que agora lutam pelas melhores notas possíveis a todo o custo.
É sabido que a aprendizagem muda o mundo, a escola muda a vida de uma pessoa e de uma comunidade. No filme de uma provedora de streaming, O Rapaz Que Prendeu o Vento, o protagonista só queria ir à escola, ter acesso à biblioteca, para poder ter aulas e aprender nos livros como fazer um moinho de vento que produzisse energia para bombear água para regar as terras e manter ativa a produção agrícola, que sustentava toda a sua comunidade. A escola, quando produtora de apropriação e transferência de conhecimento, muda vidas. Como se mede este impacto? Como se afere este grau de felicidade?
Também é sabido que a felicidade aumenta o grau de produtividade. Aqueles que já experimentaram viver um dia a dia no trabalho pouco feliz, reconhecem que a sua produtividade ficou aquém daquilo que poderia ter sido. Como implementar definitivamente planos de felicidade e bem-estar nas escolas?
A cultura é outro ponto-chave de particular importância para a aprendizagem. O que pode acontecer de transformador com uma peça de teatro, uma obra plástica, um texto? Com o conhecimento da História e das ancestralidades do mundo? Não em jeito de ter de decorar, empinar a matéria, mas como algo de extremo interesse que tem reflexos até hoje nas nossas vidas.
Só não esquecemos o que tem impacto nas nossas vidas. Só não esquecemos o que nos transforma. Só garantimos a continuidade do conhecimento quando validamos a sua importância.
Este alerta à navegação de todos os colégios, que a tutela está atenta e sabe o que se passa e como se passa, pode levar a pelo menos duas saídas: ou começam a pensar em alternativas até agora não implementadas e que resultam no mesmo fim, ou mudam de rumo e adotam outro propósito na sua filosofia educativa, a bem dizer, muito mais millennial e atual.
A mudança de paradigma já está a começar a acontecer.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990