CPLP: António Monteiro pede ajuda concreta a Moçambique
Nos 25 anos da comunidade lusófona, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros sustenta que a Cimeira de Luanda deve ter três prioridades: ajudar a combater o terrorismo em Cabo Delgado, aprovar o acordo de mobilidade dentro da CPLP e repensar o financiamento da organização, que pode chegar a ter 32 observadores associados, entre os quais os EUA, a Índia e a Espanha.
O embaixador António Monteiro, um dos impulsionadoras da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) quando ela foi criada, defende que os chefes de Estado e de Governo da lusofonia devem, na cimeira que começa na sexta-feira em Luanda, manifestar disponibilidade para ajudar Moçambique, mas também aprovar o acordo de mobilidade e repensar o financiamento da organização.
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O embaixador António Monteiro, um dos impulsionadoras da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) quando ela foi criada, defende que os chefes de Estado e de Governo da lusofonia devem, na cimeira que começa na sexta-feira em Luanda, manifestar disponibilidade para ajudar Moçambique, mas também aprovar o acordo de mobilidade e repensar o financiamento da organização.
Numa entrevista à Lusa a propósito dos 25 anos da organização e da cimeira de Luanda, na qual Angola assumirá a liderança da organização, António Monteiro disse esperar “cada vez maior envolvimento dos países na CPLP e que estes dêem, cada vez mais, o valor que a CPLP merece”, tendo em conta aquilo que a organização pode ser no futuro.
Moçambique merece, no actual contexto, uma atenção especial. Para o embaixador, os chefes de Estado e de Governo “têm de pronunciar, nem que seja uma palavra solidariedade, que eles [moçambicanos] precisam, mas também de disponibilidade de todos os meios diplomáticos, militares e de inteligência”, defendeu. Na sua opinião, a situação em Cabo Delgado exige ainda um papel de outras organizações, junto das quais a CPLP pode chamar à atenção, de modo a que haja “uma intervenção que não pareça uma ocupação” e ao mesmo tempo se desenvolvam acções de desenvolvimento, para dar alguma confiança às populações, considerou.
“Moçambique precisa de auxílio, se for preciso até militar, mas sobretudo de segurança, em matérias de inteligência, para poder fazer face aquilo que eu acho que é terrorismo, que depois poderá explorar alguns descontentamentos locais e atrasos no desenvolvimento que ali possa haver” frisou. A CPLP, como tem “alguma cooperação no campo militar, que é profícua e tem tido até alguns êxitos na maneira como trabalha, podia e devia debruçar-se sobre esse tema em conjunto”, considerou.
Já sobre a proposta para a mobilidade de pessoas no espaço da CPLP considera-a como um passo positivo. “Aquilo que me parece que é correcto e faz parte deste tempo de CPLP é criar gradualmente espaços de mobilidade, dando a certas categorias mais facilidades do que outras, exactamente para que nenhum de nós, no espaço que integramos, assuste os nossos outros parceiros”, defendeu.
Na sua opinião, com este acordo, já aprovado em Conselho de Ministros, a CPLP “vai agilizar, em certa medida, por categorias, claro, e começando com gradualismo pontos de facilitação de deslocação” de pessoas no espaço da comunidade, referiu. E “isso é importante, porque é mais um sinal de confiança da CPLP”, salientou.
Facilitar o acesso ao crédito
Da Cimeira de Luanda, o actual presidente da Fundação Millennium BCP espera, aliás, “duas grandes medidas": um acordo sobre mobilidade e, “sobretudo, um apelo muito forte a entrar no campo económico e empresarial”. Mas para se desenvolver o vector económico também “temos de ver como, de um ponto de vista multilateral, podemos criar condições de acessibilidade ao crédito”, defendeu. António Monteiro recordou que “até já se tentou criar um banco” multilateral, da CPLP, mas os sistemas bancários dos Estados-membros eram tão diversos que a ideia não avançou.
Quanto ao financiamento da própria CPLP, António Monteiro realça que a eventual aprovação do novo regulamento dos observadores associados na cimeira será outro avanço importante, num momento em que há 13 novas candidaturas a esta categoria, entre as quais as dos EUA, Canadá, Índia e Espanha. “Penso que neste regulamento ou está previsto o pagamento de quotas ou a participação efectiva [dos observadores associados] em projectos, dos quais uma percentagem caberia à CPLP”, referiu. Assim, “sinto que se pode trabalhar em formas criativas de dotar o orçamento da CPLP de mais valor, de o aumentar”, realçou.
Caso sejam aprovadas em Luanda, e tendo em conta que a CPLP já tem hoje 19 observadores associados, a comunidade passará a contar com um total de 32 países e organizações com aquele estatuto. Porém, para o diplomata, “os tempos e as circunstâncias em que vivemos impõem agora à comunidade avançar em áreas, que até aqui mereceram menos atenção”, como “a parte económica e a parte da mobilidade”.
Além disso, o também antigo ministro português dos Negócios Estrangeiros considerou que a CPLP precisa de procurar novas formas de financiamento para uma cooperação multilateral mais eficaz. “Temos a possibilidade até de criar valor do ponto de vista financeiro, económico, (...) das próprias empresas que trabalham dentro da CPLP e, com apoio da CPLP, render alguma percentagem que possa caber à própria organização, se for ela a dinamizadora de todos esses projectos”, frisou o embaixador. Da parte dos Estados-membros espera também que haja “melhores contribuições”, quando houver possibilidades financeiras para isso.
Em relação à Guiné Equatorial, o mais recente Estado-membro da CPLP e o único não falante de português, onde ainda vigora a pena de morte, o antigo ministro português dos Negócios Estrangeiros defendeu que os chefes de Estado e/ou de Governo devem dar “o sinal” ao país “que tem de avançar mais depressa naquilo que lhe possibilitará ter uma integração efectiva nos valores da comunidade”.
Por último, o diplomata defendeu também que na Cimeira deveria haver uma reflexão sobre o mandato e escolha do secretário executivo. Na opinião de António Monteiro “os secretários executivos deveriam trabalhar com quatro anos de perspectiva”, e não com dois anos, podendo o mandato ser prolongado por mais dois se o Estados assim o entenderem, como mandam os estatutos em vigor. Além disso, defendeu “uma eleição do secretário executivo”, e não uma escolha por ordem alfabética dos países, como é hoje.
A questão da sustentabilidade
Em jeito de balanço destes 25 anos da CPLP, que se celebram no próximo dia 17, o embaixador considerou que o principal ganho foi a “entreajuda” entre os seus Estados-membros. "Nós temos de dizer que o principal ganho da comunidade foi a entreajuda, que imediatamente se estabeleceu. Ajuda a resolver problemas de cada um de nós”, o que “se traduziu muito numa cooperação política e diplomática activa”, afirmou.
Ainda assim, sustentou que a cooperação naquela organização “continua a desenrolar-se mais ao nível bilateral do que multilateral”. E na sua opinião só há uma explicação para isso: “a CPLP tem desde o início um problema, que é a questão financeira”. Porque a sua “sustentabilidade vem apenas das dotações dos Estados-membros”, realçou. Neste cenário, António Monteiro defendeu a criação de “parcerias efectivas no trio da CPLP, que favoreçam todos os países”.
Para António Monteiro, faz ainda falta à organização uma ligação maior ao Fórum Macau, entidade que tem como missão reforçar o intercâmbio económico e comercial entre a China e os países de língua portuguesa, e às comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo.
Quanto ao português, a língua de todos, que cimentou a comunidade, é “já hoje”, para o diplomata “uma língua em expansão”, basta olhar para as previsões de crescimento demográfico de Angola e Moçambique e perceber com o que o Brasil já contribui.
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os Estados-membros da CPLP.