O apelo à criação de espaços de discussão feminista
Faltam os espaços de conversa e educação feminista. Tanto no ensino superior, como em tudo o que o antecede e o procede. Falta a crença e a valorização das vítimas. Falta a garantia de docentes isentos e imparciais, com um compasso moral e decência social mínima.
Surge como um desabafo de uma estudante de Direito, em breve de saída. Surge o apelo, o desabafo, de uma mulher feminista. Acordamos para mais um dia na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mais um dia na scademia. Mais um dia no ensino superior português. Mais um dia no mundo.
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Surge como um desabafo de uma estudante de Direito, em breve de saída. Surge o apelo, o desabafo, de uma mulher feminista. Acordamos para mais um dia na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mais um dia na scademia. Mais um dia no ensino superior português. Mais um dia no mundo.
Ao longo dos últimos anos, surgiram na Academia do Porto núcleos feministas independentes, ao lado de movimentos como o HeForShe. À luz da criação do primeiro – pelo Norte – o Colectivo de Letras (da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), seguido pelo FEMfdup (Faculdade de Direito da Universidade do Porto), muito se questionava o porquê, o para quê. Estando no centro da mesa a sua plena inutilidade, face à desinformação, desconhecimento e privilégio relativamente ao movimento feminista.
Aqui chegamos nós. Um professor recusa a entrega de enunciado a uma estudante por esta se encontrar “demasiado exposta” (menção honrosa ao momento de similar natureza protagonizado pelo mesmo professor há uns valentes anos). Atrevo-me a dizer que a tamanha relevância da questão não se prende com o acontecimento (face à carência de se tratar de um mero acto isolado), mas sim à verdadeira, e prática, demonstração da necessidade de colectivos e núcleos feministas no ensino superior. Teria a questão tomado a real proporção que tomou na falta de plataformas que apoiam, e ouvem, continuamente as vítimas?
O que aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade do Porto não se destaca por ser um caso isolado, quer pela rua dos Bragas quer por qualquer instituição do ensino superior, seja ela pública, privada, a Norte ou a Sul. Quer dizer, muitos foram os colectivos feministas do Norte do país que, ao longo destes últimos anos lectivos, se dedicaram à recolha de testemunhos de machismo, xenofobia e racismo na Academia. Muitos foram os recolhidos, muitos foram os desabafados, e muitas foram as corajosas vítimas que se fizeram ouvir.
Contudo, com as corajosas manifestações, levantou-se também o pano que tanto escondia a discriminação e o monstro patriarcal. Muita foi a culpabilização da vítima, questionando o sucedido, protegendo os “alegados” agressores por trás de um menos sensato “coitado do rapaz”. Afinal, o Direito é conhecido pelo seu princípio do contraditório.
Tudo isto para dizer: faltam os espaços de conversa e educação feminista. Tanto no ensino superior, como em tudo o que o antecede e o procede. Falta a crença e a valorização das vítimas. Falta a garantia de docentes isentos e imparciais, com um compasso moral e decência social mínima. Faltam mundos e fundos por uma Academia segura, por um mundo seguro.
Deixo a nota aos estudantes do ensino superior: unam-se, criem espaços para discussão, protejam-se mutuamente. Dinamizem espaços feministas. Bastam duas amigas, um bar da faculdade, um bloco de notas, e a intenção de se fazerem ouvir. Do nada, notam o mundo a mudar.