Pandemias e alterações climáticas estão ligadas na ameaça à saúde humana

O efeito das mudanças no clima sobre o comportamento animal expõe os humanos a novos riscos, diz o cientista Alexander More, que está a estudar o glaciar de Monte Rosa, nos Alpes.

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A subida da temperatura no Nordeste dos EUA mexeu com os ciclos de três espécies - carraças, veados e humanos - e criou uma epidemia da doença de Lyme Reuters/TOBY MELVILLE

Pandemias e alterações climáticas estão e estarão inextricavelmente ligadas, defende o cientista climático norte-americano Alexander More, que afirma que o efeito das mudanças no clima sobre o comportamento animal expõe os humanos a novos riscos.

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Pandemias e alterações climáticas estão e estarão inextricavelmente ligadas, defende o cientista climático norte-americano Alexander More, que afirma que o efeito das mudanças no clima sobre o comportamento animal expõe os humanos a novos riscos.

“Toda a gente está a reparar que, com as alterações climáticas, os animais migram para procurar comida e água que deixa de existir nos seus habitats e é provável que os humanos apanhem algumas das suas doenças”, disse o investigador da Universidade de Harvard em entrevista à agência Lusa à margem da Cimeira da Exploração Global Glex, onde intervém nesta sexta-feira, em Ponta Delgada.

As crises pandémicas e as alterações climáticas “são, na realidade, uma mesma”, afirma Alexander More, apontando um caso ocorrido no Nordeste dos Estados Unidos, em que a subida da temperatura mexeu com os ciclos de três espécies - carraças, veados e humanos - e criou uma epidemia da doença de Lyme, transmitida pelos parasitas.

“Basicamente, duplicámos a duração do verão e o período de tempo em que as carraças, que transmitem a doença, se conseguem reproduzir. Além disso, acabámos com os predadores de topo, pelo que há muitos veados para estas parasitarem. Criámos uma pandemia por criarmos uma crise climática e mudarmos o ambiente”, disse.

Migrações levam doenças

As mudanças no clima interferiram também com as migrações que estão sempre a acontecer, quer com os seres humanos quer com outras espécies animais, que “levam as suas doenças para lugares onde estas não costumavam existir”.

“Outro exemplo aconteceu em 2015 com a população de saigas, uma espécie de antílopes da Ásia Central que foi quase exterminada por uma bactéria com que se cruzou por migrar para fora do seu habitat normal. Essas doenças podem “saltar” para os humanos e afectar-nos também”, alerta o especialista.

A proximidade de humanos com espécies selvagens e a sua comercialização é outro risco que requer “muito cuidado”, salienta Alexander More, que acredita, “até prova em contrário”, que o coronavírus SARS-CoV-2 “foi provavelmente transmitido dos morcegos para os seres humanos”.

A exploração científica, destaca, é desde logo necessária para recolher informação sobre o que se passa no mundo, porque “não se consegue proteger o que se desconhece” e é explorando “que se descobrem as doenças, com trabalho de campo em áreas remotas, selvagens e também no passado”.

“A realidade nunca é só uma disciplina. É precisa uma mente de explorador, ser flexível e estar à vontade em várias disciplinas para combinar todas num retrato que toda a gente possa compreender, não apenas os cientistas”, salienta.

No projecto em que está actualmente envolvido, recolhem-se amostras do gelo profundo nos glaciares alpinos do maciço de Monte Rosa, na fronteira entre a Itália e a Suíça, que testemunham “clima, atmosfera e ADN dos últimos dois mil anos de História”.

“Em 2017, provei que durante as pandemias a poluição desce. Vimos isso com a poluição por chumbo durante a maior pandemia da História, a Peste Negra. [Durante a pandemia da covid-19] continuámos a poluir como antes, não aconteceu nada nessa escala”, refere.

Durante 2020, verificou-se redução nas emissões de metano, na poluição com nitratos, decorrente da redução nas actividades industriais e agrícolas, na poluição com aerossóis e na emissão de dióxido de carbono, mas “os níveis na atmosfera não melhoraram muito”.

“Não conseguimos reduzir a poluição atmosférica para os níveis necessários para enfrentar as alterações climáticas, nem por sombras. O dióxido de carbono fica na atmosfera durante décadas”, salienta.

“Creio que houve uma convergência de duas crises. A crise climática, que vai permanecer connosco durante o próximo século e é um problema que vamos ter que resolver, e a pandemia, que esperamos que acabe em breve, embora nenhuma tenha durado menos de dois anos, convergiram para sublinhar que alguns dos problemas que levantam são os mesmos”, conclui Alexander More.