Odemira: para onde foi a água?
Por Odemira, lêem-se mensagens como “À beira do precipício — avista-se o fim do Sudoeste”, “Mar do Sudoeste, mar de plástico”, ou “Água para todos”.
Ali, as estufas crescem onde as hortas secam. Habitantes recorrem a uma ribeira para poder regar as suas hortas, sendo-lhes negada a água do canal: mais de 20 famílias da Costa Vicentina ficaram sem água para regar as suas hortas. Até aqui, tinham o rio Mira à distância de uma torneira. A torneira permanece, mas há cerca de dois meses e meio que de lá já não sai água. Quem a fechou foram os Beneficiários do Mira, ligados à agricultura intensiva e responsáveis pelas infraestruturas de rega e por fazer chegar água do rio aos agricultores. Dizem estar a racionar água em tempo de seca mas, enquanto atingem apenas os pequenos agricultores, continuam a surgir novas estufas.
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Ali, as estufas crescem onde as hortas secam. Habitantes recorrem a uma ribeira para poder regar as suas hortas, sendo-lhes negada a água do canal: mais de 20 famílias da Costa Vicentina ficaram sem água para regar as suas hortas. Até aqui, tinham o rio Mira à distância de uma torneira. A torneira permanece, mas há cerca de dois meses e meio que de lá já não sai água. Quem a fechou foram os Beneficiários do Mira, ligados à agricultura intensiva e responsáveis pelas infraestruturas de rega e por fazer chegar água do rio aos agricultores. Dizem estar a racionar água em tempo de seca mas, enquanto atingem apenas os pequenos agricultores, continuam a surgir novas estufas.
Este bloqueio da água não garante o necessário caudal ecológico no Rio Mira: é colocada em risco a biodiversidade que daquela água depende, havendo já relatos do aparecimento de peixes mortos em troços secos do rio.
A ABM, dirigida essencialmente por grandes empresários agrícolas, diz que cortou aos pequenos para poupar água na Barragem de Santa Clara, actualmente abaixo dos 50% de capacidade. Nas palavras dos agricultores afectados, “não tem chovido, a barragem tem pouca água, mas para as estufas a água não pode faltar”. O problema aqui não é a falta de água, mas a vontade de fazer dela um negócio.
Quando a Junta de Freguesia de Santa Clara pediu água para o lago da aldeia, a ABM respondeu com uma oferta de 15 litros por segundo durante três meses, no valor de 13 mil euros. O seu presidente, Manuel Figueira, quando questionado se, perante uma situação de encaixe financeiro, afinal existia água disponível, respondeu que se tratava de uma questão de princípio.
Com certeza que este princípio não será o da justiça climática.
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) não aguenta mais agricultura intensiva. O que outrora foi um paraíso é, agora, um mar de plástico. Esta contínua expansão, com mão-de-obra escrava, traduz-se numa situação ambiental, paisagística e social inaceitável. O modelo de produção aplicado na região é o apogeu do extractivismo aplicado à agricultura, com uma produção voltada para a exportação de colheitas que, pelos requisitos climáticos, não deveriam ser feitas em Portugal, com grande prejuízo ambiental, destruição de solos e água, a que se acrescenta a exploração quase feudal de mão-de-obra migrante.
Ainda assim, a RCM n.º 179/2019 autorizou, na zona do Perímetro de Rega do Mira (PRM), a triplicação das estufas dos então 1600 hectares (11% do PRM) para um máximo de 4800 hectares (40% do PRM, sendo o máximo legal 30%), triplicando também as exigências de mão-de-obra.
“Nem a situação vergonhosa, lamentável e indescritível das condições de vida dos trabalhadores que operam nas explorações do Sudoeste, nem a pseudo-solução avançada pelo Governo, na agilização da colocação de contentores dentro das explorações de agricultura intensiva, consegue estancar a crescente falta de água que afecta já a região, bem como resolver a contínua negligência e incúria na fiscalização por parte das entidades responsáveis, cujo abandono crónico tem contribuído para a erosão de um território único como é o PNSACV”, afirma o Juntos Pelo Sudoeste.
A situação vivida em Odemira não é excepção à regra. É o paradigma da agricultura em Portugal e no mundo, e não há justiça climática com esta agricultura destruidora.