França investiga retalhistas de vestuário por esconderem crimes contra a humanidade em Xinjiang
O processo está ligado a acusações contra a China sobre o seu tratamento de uigures muçulmanos, minoritários em Xinjiang, incluindo trabalhos forçados. Da região é oriundo mais de 80% do algodão produzido na China.
O Ministério Público francês abriu uma investigação sobre quatro retalhistas de moda suspeitos de esconder crimes contra a humanidade na região de Xinjiang, China, informou, quinta-feira, uma fonte judicial citada pela Reuters.
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O Ministério Público francês abriu uma investigação sobre quatro retalhistas de moda suspeitos de esconder crimes contra a humanidade na região de Xinjiang, China, informou, quinta-feira, uma fonte judicial citada pela Reuters.
O processo está ligado a acusações contra a China sobre o seu tratamento de uigures muçulmanos, minoritários na região, incluindo trabalhos forçados, e incide sobre a Uniqlo France, a Inditex (proprietária da Zara), a SMCP francesa e a Skechers.
“Foi aberta uma investigação pela unidade de crimes contra a humanidade dentro do gabinete do procurador antiterrorismo, na sequência da apresentação de uma queixa”, afirmou a mesma fonte.
A Inditex disse que rejeitou as alegações que constam na queixa, informando que efectuou rigorosos controlos e que cooperaria plenamente com a investigação francesa. “Na Inditex, temos tolerância zero para todas as formas de trabalho forçado e estabelecemos políticas e procedimentos para garantir que esta prática não tenha lugar na nossa cadeia de fornecimento”, disse a empresa numa declaração.
O grupo francês SMCP disse que também cooperaria com as autoridades francesas para provar que as alegações são falsas. “A SMCP trabalha com fornecedores localizados em todo o mundo e mantém que não tem fornecedores directos na região mencionada [de Xinjiang]”, declarou, acrescentando que efectuava regularmente auditorias aos seus fornecedores.
Questionadas pela Reuters, a Uniqlo France não estava imediatamente disponível para comentar fora do horário comercial europeu, enquanto a Skechers disse que não comenta litígios pendentes, remetendo a agência para uma declaração de Março de 2021, na qual afirmou manter um rigoroso código de conduta dos fornecedores.
Duas organizações não-governamentais (ONG) apresentaram uma queixa em França no início de Abril contra multinacionais por dissimulação de trabalho forçado e crimes contra a humanidade.
As Nações Unidas estimam que pelo menos um milhão de uigures e outros muçulmanos (outras fontes apontam para mais de 1,5 milhões) estejam retidos em campos na região chinesa de Xinjiang, enquanto um gabinete de estudos australiano afirma que dezenas de milhares de membros da minoria foram transportados pelo país para trabalhar em fábricas que produzem para marcas de moda mundiais. O Governo chinês nega qualquer tipo de maus-tratos e afirma que os campos oferecem treino vocacional e ajudam a lutar contra o terrorismo e extremismo.
Em Novembro, legisladores britânicos apelaram a grandes marcas de vestuário — como a Gap e a Zara — para deixarem de utilizar algodão recolhido por muçulmanos retidos em campos criados pelo Governo chinês para a minoria uigur, na província de Xinjiang, quando se sabe que mais de 80% do algodão chinês vem daí, representando 20% da produção do algodão a nível mundial.
“É horrendo pensar que os consumidores britânicos podem estar a contribuir, sem saberem, para esses negócios, que tiram vantagem dos trabalhos forçados de uigures”, considerou, na altura Nusrat Ghani, legisladora conservadora que faz parte do Comité de Negócios, Energia e Estratégia Industrial britânico, citada pela Reuters.
Enquanto a maior parte das marcas diz não manter relações com fábricas em Xinjiang, os activistas anti-escravatura consideram muito provável que o algodão recolhido por uigures faça parte das cadeias de produção, uma vez que é exportado por toda a China e usado por outros fornecedores.
Em respostas escritas enviadas ao comité, grande parte das marcas — incluindo a Gap Inc e a Inditex, dona da Zara — não apresentou detalhes referentes ao algodão que utilizam, referindo que está a ser realizado um trabalho no sentido de melhorar a informação que têm sobre as suas cadeias de produção.
Para a sueca H&M, considerada a marca de moda mais transparente quanto às suas práticas, “não há solução disponível” para conseguir traçar, sem erro, a origem do algodão. Também a marca da britânica Stella McCartney, conhecida pela sua aposta em práticas sustentáveis, considera “extremamente difícil” saber a origem do material não transformado.
Em Março, os Estados Unidos, a União Europeia, a Grã-Bretanha e o Canadá impuseram sanções aos funcionários chineses por violações dos direitos humanos em Xinjiang. Pequim retaliou imediatamente com as suas próprias medidas punitivas: impôs sanções contra nove cidadãos britânicos, incluindo cinco deputados, por divulgarem o que descreveu como “mentiras e desinformações” sobre o país.