Duas horas depois de ver anulada condenação por agressão sexual, Bill Cosby já estava em casa
A decisão do Supremo Tribunal da Pensilvânia de anular a condenação do actor provocou a indignação das vítimas de agressão sexual e dos seus defensores.
Bill Cosby foi libertado da prisão e regressou a casa, esta quarta-feira, menos de duas horas após o Supremo Tribunal da Pensilvânia ter anulado a sua condenação por agressão sexual, afirmando que nunca deveria ter sido acusado após ter feito um acordo com um anterior promotor público há mais de 15 anos.
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Bill Cosby foi libertado da prisão e regressou a casa, esta quarta-feira, menos de duas horas após o Supremo Tribunal da Pensilvânia ter anulado a sua condenação por agressão sexual, afirmando que nunca deveria ter sido acusado após ter feito um acordo com um anterior promotor público há mais de 15 anos.
O Supremo Tribunal da Pensilvânia emitiu a sua decisão após Cosby ter cumprido mais de dois anos de uma pena de três a 10 anos após a sua condenação de 2018, provocando a indignação das vítimas de agressão sexual e dos seus defensores.
O actor e comediante, de 83 anos, que tinha sido considerado culpado por crimes de agressão sexual agravada, em Setembro de 2018, foi libertado de uma prisão estatal na Pensilvânia pouco antes das 14h30 (19h30, em Lisboa), informou um porta-voz do Departamento das Prisões.
Cerca de uma hora depois, chegou à sua mansão em Elkins Park, um subúrbio de Filadélfia, antes de fazer uma breve aparição ao lado dos seus advogados em frente às câmaras no final da tarde, surgindo de aspecto frágil, mas sorridente, tendo apenas acenado com a cabeça quando lhe perguntaram se estava feliz por estar em casa.
Mais tarde, Cosby publicou uma declaração na sua conta do Twitter, agradecendo aos seus apoiantes e escrevendo: “Eu nunca mudei a minha posição nem a minha história. Sempre mantive a minha [declaração de] inocência”.
Cosby é mais conhecido pelo seu papel de marido e pai adorável na série de comédia televisiva The Cosby Show, transmitida entre 1984 e 1992, que lhe granjeou o título de “pai da América".
Mas a sua reputação foi destruída após mais de 50 mulheres o terem acusado de múltiplas agressões sexuais ao longo de quase cinco décadas. A sua condenação foi vista como um momento decisivo no movimento #MeToo, que trouxe uma série de acusações contra homens poderosos em Hollywood e não só.
Cosby foi considerado culpado de drogar e abusar sexualmente de Andrea Constand, na sua casa em 2004. As alegações de Andrea Constand foram as únicas contra Cosby que não eram demasiado antigas para permitir acusações criminais. E a decisão do tribunal impediu expressamente os procuradores de julgar de novo o comediante.
Numa declaração, Andrea Constand e os seus advogados disseram estar não só desapontados com a decisão, mas também preocupados com a possibilidade de esta dissuadir outras vítimas de procurarem justiça. “Mais uma vez, continuamos gratos às mulheres que se apresentaram para contar as suas histórias.”
O procurador do condado de Montgomery, Kevin Steele, que acusou Cosby em 2015, notou que um júri considerou-o culpado e que a decisão de quarta-feira “não se baseou nos factos do caso”.
“A minha esperança é que esta decisão não venha a esmorecer a denúncia de agressões sexuais por parte das vítimas”, disse numa declaração. "Continuamos a acreditar que ninguém está acima da lei, incluindo aqueles que são ricos, famosos e poderosos.”
“Aborto judicial”
A reacção foi rápida, com muitas mulheres envolvidas no movimento #MeToo a expressar horror perante a decisão.
“É por isso que as mulheres não se apresentam [com queixas]”, escreveu no Twitter a escritora E. Jean Carroll, que acusou o antigo Presidente Donald Trump de a ter violado nos anos de 1990. Trump negou sempre o sucedido.
Já Phylicia Rashad, co-estrela de Cosby no The Cosby Show, em que fazia de sua mulher, celebrou a decisão, considerando que esta corrigiu “um aborto judicial”.
A maioria do tribunal considerou que um procurador do estado, Bruce Castor, fez um acordo com os advogados de Cosby em 2005 para não apresentar acusações criminais depois de concluir que não podia ganhar uma condenação. Como resultado, Cosby não pôde evitar testemunhar como parte de um processo civil que Andrea Constand intentou contra si, uma vez que os arguidos só podem recusar-se a testemunhar quando confrontados com uma acção penal.
Num depoimento juramentado, Cosby reconheceu ter dado sedativos a mulheres para facilitar os encontros sexuais, embora mantivesse que estes eram consensuais. Acabou por pagar a Andrea Constand uma quantia milionária, estabelecida por um acordo.
Foi essa sua confissão, que um juiz não selou em 2015, que ajudou a formar a base para acusações criminais mais tarde. Steele, que tinha acabado de derrotar Castor nas eleições para procurador distrital, em parte criticando-o por não ter processado Cosby, acusou o actor dias antes de o estatuto de limitações ter expirado.
Mas o Supremo Tribunal da Pensilvânia considerou que a acusação de Steele, não só foi contra a anterior promessa de Castor de não acusar Cosby, como violou o direito do comediante a um julgamento justo.
“Só há uma solução que pode restaurar completamente Cosby ao status quo ante bellum”, escreveu o juiz David Wecht. “Deve ser exonerado, e qualquer acção judicial futura sobre estas acusações particulares deve ser impedida.”
Um juiz discordou, defendendo que Cosby deveria permanecer na prisão, enquanto dois outros disseram que os procuradores deveriam ser autorizados a julgá-lo de novo sem dependerem das provas manchadas.
Castor fez manchetes nacionais em Fevereiro como membro da equipa de defesa legal do ex-Presidente Donald Trump durante o julgamento do impeachment de Trump no Senado dos EUA. O ex-procurador proferiu uma declaração de abertura divagante, que foi amplamente divulgada por senadores, incluindo republicanos.
Numa entrevista, Castor disse que o seu acordo com Cosby era a única forma de garantir que pagaria algum tipo de pena através de um processo civil. "Sinto que tomei a decisão certa em 2005, e ainda a defendo", disse.
O primeiro julgamento de Cosby terminou anulado, com um júri num impasse, em 2017, por os jurados não terem conseguido chegar a uma decisão unânime sobre a sua culpa. Mas foi considerado culpado num segundo julgamento, após o juiz Steven O'Neill ter permitido aos procuradores chamar cinco testemunhas com relatos de casos prescritos.
Armados com essas testemunhas, os procuradores argumentaram que a agressão de Cosby a Andrea Constand foi uma ofensa bem ensaiada que ele tinha aperfeiçoado durante décadas: fazia amizade com mulheres mais jovens, agindo como mentor e conquistando a sua confiança, para, por fim, as agredir sexualmente, muitas vezes com a ajuda de drogas.