BE propõe alternativas ao fim das moratórias: renegociação do crédito e entrega da casa

Projecto de lei inclui a obrigatoriedade de os bancos aceitarem a renegociação temporária dos créditos. Nova prestação não pode ser superior a 35% do rendimento da famílias.

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ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

O Bloco de Esquerda (BE) avança com um projecto de lei que pretende criar um regime transitório para as famílias que aderiram à moratória de crédito à habitação e que não têm condições de retomar o pagamento dos empréstimos a partir de Outubro. No essencial, a iniciativa visa criar um regime de reestruturação temporária de crédito, de aceitação obrigatória pelos bancos, e a possibilidade de dação ou entrega da casa ao banco para pagamento integral da dívida.

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O Bloco de Esquerda (BE) avança com um projecto de lei que pretende criar um regime transitório para as famílias que aderiram à moratória de crédito à habitação e que não têm condições de retomar o pagamento dos empréstimos a partir de Outubro. No essencial, a iniciativa visa criar um regime de reestruturação temporária de crédito, de aceitação obrigatória pelos bancos, e a possibilidade de dação ou entrega da casa ao banco para pagamento integral da dívida.

Segundo declarações recentes de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, 50.000 empresas e 282.000 mil famílias tinham, em Abril, créditos em moratória, medida que permitiu suspender o pagamento das prestações dos empréstimos, na componente de juros e capital, ou apenas numa delas.

A iniciativa do BE, que abrange apenas os empréstimos à habitação de particulares, recupera vários regimes criados no passado, nomeadamente o PARI (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento) e o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), nomeadamente a dação do imóvel para extinção da dívida, independentemente da avaliação actual do mesmo cobrir ou não a dívida total (prevista na Lei de Bases da Habitação).

Relativamente à renegociação das condições contratuais de pagamento do empréstimo – que é na prática uma reestruturação do crédito –, de aceitação obrigatória pelos bancos, ela terá um carácter provisório de seis meses, prorrogáveis por períodos sucessivos, até dois anos. E a prestação mensal que resultar dessa renegociação, segundo a proposta do BE, não pode ser superior a 35% dos rendimentos mensais do agregado familiar do beneficiário, líquidos de impostos e contribuições obrigatórias à Segurança Social.

As propostas de renegociação podem incluir “um período de carência de capital, que pode ser total ou parcial, a extensão do prazo de amortização, o diferimento de uma parte do capital para uma prestação final ou a redução da taxa de juro contratualizada”, estabelece o projecto de lei, apresentado esta terça-feira pela deputada Mariana Mortágua.

Empréstimo até 250 mil euros

Durante a vigência do regime transitório, que pode ser revisto por iniciativa do cliente ou pela instituição bancária, se ocorrerem alterações ao nível dos rendimentos dos mutuários (os detentores de empréstimos), os bancos ficam impedidos de “resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, intentar ou prosseguir com acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, ou transmitir a terceiro a sua posição contratual”.

O regime especial, que terá de contar com o apoio de vários partidos, no Parlamento, destina-se apenas aos créditos hipotecários para habitação própria e permanente, com um limite de valor patrimonial tributário de 250 mil euros. E pode ser pedido pelos particulares abrangidos pelo regime da moratória pública que, “à data do seu término, continuem a cumprir os requisitos de acesso ao mesmo”.

Tal como nas moratórias, a proposta pretende abranger famílias que apresentem debilidade financeira, nomeadamente por se encontrarem em situação de isolamento profiláctico ou de doença, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, na sua redacção actual, ou em redução do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, ou em situação de desemprego. Entre outras, está ainda incluída a quebra temporária de, pelo menos, 20% do rendimento global do respectivo agregado familiar em consequência da pandemia da doença covid-19.

O projecto de lei, que Mariana Mortágua justificou esta terça-feira com a necessidade de responder “à angústia de centenas de milhares de famílias ainda abrangidas pela moratória”, estabelece prazos curtos de respostas dos bancos aos pedidos de renegociação dos créditos, e pretende proibir a cobrança de comissões pela renegociação das condições contratuais no âmbito do presente diploma, designadamente no que respeita à análise e à formalização dessa operação, salvo no caso de “encargos suportados pelas instituições perante terceiros e que estas possam legitimamente repercutir nos beneficiários, tais como pagamentos a conservatórias, cartórios notariais ou encargos de natureza fiscal”.

Em declarações ao PÚBLICO, Maria Mortágua não excluiu a possibilidade de a renegociação dos créditos à habitação implicar o reconhecer imparidades por parte dos bancos, mas salvaguarda que essa situação é limitada pela duração do regime transitório e pelo facto de se trata de créditos com colateral (garantia do imóvel). Admite ainda que a alternativa – a de não se criarem regras equilibradas de renegociação, o que agravará o incumprimento – “será seguramente pior ao nível das imparidades a assumir pelos bancos”.

EBA exclui prolongamento das moratórias

A possibilidade do projecto de lei ser discutido e votado na presente sessão legislativa "é muito baixa”, admitiu a deputada, considerando, no entanto, que se isso acontecer logo no início da próxima sessão ainda virá “mais do que a tempo”.

“Por uma questão de precaução, o regime tem uma norma transitória que faz com que, se entrar em vigor um pouco mais tarde que o fim do regime da moratória (30 de Setembro), ele age retroactivamente protegendo as pessoas no período transitório”, garantiu Mariana Mortágua. Contudo, a deputada, que fez duras críticas ao executivo e ao Banco de Portugal, desafiou o Governo para que crie um regime semelhante, sem as limitações de prazos da Assembleia da República.

A iniciativa do Bloco surge depois da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) ter confirmado, em resposta a um pedido de esclarecimentos feito pelo grupo parlamentar do PS, que o quadro regulatório que permitiu a criação das moratórias de crédito não será prolongado. Com isso, a lei que resultou da iniciativa do PCP para a extensão de moratórias, que já tinha sido “esvaziado” por propostas do PSD e PS, cai por terra, uma vez que estava dependente da autorização da EBA.

O montante global de empréstimos abrangidos por moratórias era de 39,3 mil milhões de euros em Abril, menos 3,6 mil milhões do que no final de Março, segundo dados divulgados esta segunda-feira pelo Banco de Portugal (BdP).

Notícia actualizada às 17h10, com declarações da deputada Mariana Mortágua e resposta da EBA